O agronegócio brasileiro é composto, principalmente, por empresas familiares. São gerações que estabeleceram lavouras, criações e construíram legados. Nesse contexto, a sucessão é um desafio à continuidade de histórias de superação, resiliência e luta.
Pesquisa do Instituto Brasileiro Governanca Corporativa (IBGC), por exemplo, aponta que 72% das empresas familiares no Brasil não têm um plano de continuidade para os cargos-chave voltado aos descendentes.
A conselheira de empresas Jurema Aguiar de Araújo ressalta que o agronegócio, sendo um setor cíclico e com características únicas, exige uma sucessão ainda mais criteriosa em relação aos demais setores.
“O planejamento sucessório bem estruturado é uma necessidade urgente, não apenas para garantir a continuidade dos negócios, mas também para preservar o legado e os valores da família em um setor fundamental para a economia do país”, destaca.
De acordo com ela, a ausência desse planejamento pode acarretar perda de competitividade, além de possíveis conflitos familiares que colocam em risco tanto a estabilidade da organização quanto o futuro das próximas gerações.
Jurema ressalta que o assunto ainda parece um tabu no Brasil. “O desconforto ao abordar a finitude da liderança impede, muitas vezes, a preparação adequada dos sucessores, um tremendo risco pois é imprescindível que esse processo, que é de médio a longo prazo, seja feito com a máxima antecedência, enquanto o sucedido estiver em plena atividade e saudável”.
Caso contrário, conforme a conselheira, uma sucessão repentina e sem planejamento pode comprometer a continuidade e estabilidade da organização.
A importância do tema é amparada em estatísticas do IBGC: apenas 30% das empresas familiares sobrevivem à transição da primeira para a segunda geração e essa taxa diminui ainda mais nas sucessões subsequentes, de acordo com pesquisa da PwC.
Dados da PwC reforçam essa afirmação: 75% das empresas familiares fecham após os herdeiros sucessores assumirem o negócio. “Isso significa que somente sete em cada 100 empresas brasileiras chegam à terceira geração”, diz Jurema.
Para ela, esse obstáculo que é transposto por tão poucas empresas ocorre, justamente, pela falta de um bom planejamento de sucessão.
“Não existe uma regra definida sobre o momento ideal para iniciar o processo de sucessão. Cada família possui seu próprio timing, geralmente alinhado aos interesses da primeira geração, que deseja se dedicar a novos projetos, e à preparação da segunda geração. No entanto, o ideal é que o fundador se planeje com antecedência para esse momento, buscando uma transição tranquila para aproveitar sua nova rotina, o que geralmente acontece entre os 55 e 65 anos”, afirma Jurema.
Esse período coincide, naturalmente, com a chegada dos sucessores à idade adulta.
Neste caso, Jurema destaca que é preferível que o sucedido envolva-se em um planejamento estruturado, com a ajuda de conselheiros experientes.
“Um conselheiro, elemento neutro, pode mediar as discussões, ajudando a minimizar conflitos emocionais que naturalmente surgem em famílias. Isso porque uma das principais barreiras na sucessão é justamente o conflito geracional e as questões emocionais que permeiam as relações familiares e que podem acabar contaminando os negócios”.
Isso ocorre porque a primeira geração pode ter dificuldade em aceitar que a segunda terá um estilo diferente de gestão e tomada de decisões. “Contudo, o importante é que os valores fundamentais da família e da empresa sejam preservados, ainda que a forma de implementá-los evolua com o tempo”.
Passo a passo do plano de sucessão
Jurema traça três passos para que o processo de sucessão familiar de empresas do agronegócio e de outros setores transcorra da melhor forma possível:
- Ajuda profissional
A falta de diálogo aberto e de um bom assessoramento são obstáculos significativos. “Junto com o auxílio de um ou mais conselheiros externos, inicie o planejamento da sucessão estabelecendo um prazo para a passada oficial de bastão e prepare mais intensamente o sucessor para tal momento”.
- Regras para a sucessão
Estabelecer regras claras para a sucessão em empresas familiares é essencial para garantir a harmonia e a transparência nas relações entre os membros da família. “Questões como ‘todo filho é sócio?’ e “todos os sócios têm propriedade de todos os patrimônios da família?’ precisam ser abordadas de maneira objetiva e documentadas em um protocolo de família”, diz a conselheira.
Segundo Jurema, embora possa ser desconfortável discutir e definir essas regras inicialmente, a existência de um código de conduta bem delineado facilita a gestão dos direitos e responsabilidades de cada participante, minimizando conflitos futuros.
- Alinhamento de expectativas
Para a conselheira, esse pode ser o ponto mais difícil. “Às vezes alguns membros da família podem divergir sobre as expectativas para a sucessão, uma das principais causas de frustração e conflito entre os membros da família, podendo comprometer a saúde do negócio”.
Portanto, de acordo com ela, para garantir a longevidade e o sucesso de uma empresa familiar é fundamental que as expectativas de todos os envolvidos estejam bem estabelecidas e alinhadas desde o início.
“A geração que vai suceder deve não apenas conhecer profundamente o funcionamento da empresa, mas também estar bem preparada e aberta ao diálogo constante. A preparação, que inclui tanto a formação técnica quanto a capacidade de comunicação e resolução de conflitos, é o que diferencia as empresas familiares que prosperam ao longo do tempo”, considera.