Com o contínuo avanço das atividades agrárias, impulsionado por novas tecnologias e demandando altos investimentos e custos de produção, muitos produtores têm optado por transferir a posse de seus imóveis rurais a terceiros, visando manter suas propriedades através da exploração indireta do negócio.
A parceria e o arrendamento rural emergem como instrumentos frequentemente utilizados para esse propósito, consistindo em contratos agrários que visam assumir a posse da terra para o desenvolvimento de atividades agrárias, tais como exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou de natureza mista.
Apesar de ambos os instrumentos terem como objeto a posse e uso específico de propriedade rural, ainda persistem dúvidas quanto à precificação, prazo de duração, riscos envolvidos e questões tributárias associadas. Estes aspectos serão esclarecidos ao longo deste artigo, destacando, ao final, as principais diferenças entre estes dois instrumentos. Boa leitura!
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O contrato de parceria é uma das modalidades de contratos agrários previstas em lei, por meio do qual uma pessoa se obriga a ceder à outra o uso específico de um imóvel rural, por tempo determinado ou não, mediante a partilha dos frutos/produtos ou lucros, em proporções previamente estipuladas.
Em outras palavras, por meio do contrato de parceria agrícola, o proprietário, detentor da posse ou administração da propriedade (parceiro-outorgante), cede a terceiro (parceiro-outorgado) o uso de um imóvel rural – ou partes dele – com o objetivo de que exerça atividades de exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou mista; assim como cria, recria, engorda e invernagem de animais.
Vejamos mais detalhadamente algumas particularidades desse contrato.
Partes do contrato de parceria rural
As partes envolvidas no contrato de parceria rural são: o parceiro-outorgante (quem cede o imóvel rural) e o parceiro-outorgado (pessoa ou conjunto familiar que recebe o bem para os fins da parceria, geralmente representado pelo chefe de família).
Entretanto, ao mencionar o parceiro-outorgante, é importante ressaltar que essa figura não se limita apenas ao proprietário do imóvel rural, podendo incluir:
- Aquele que detenha a posse permanente do imóvel rural;
- Aquele que tenha livre administração sobre o imóvel rural;
- Aquele que esteja representando alguém em procedimentos legais e possua autorização para tal.
Como exemplos de parceiro-outorgante, temos: possuidor com intenção de ser dono, usufrutuário, tutor, curador, pais agindo em nome de filhos menores, síndico da massa falida, inventariante (durante o inventário), administrador em casos de insolvência civil, entre outros.
Além disso, a lei permite que tanto o parceiro-outorgado quanto o outorgante sejam tanto pessoas físicas quanto jurídicas.
Partilha de riscos
A partilha de riscos é uma das principais características do contrato de parceria rural. Nestes acordos, tanto o parceiro-outorgante quanto o parceiro-outorgado assumem conjuntamente os riscos do empreendimento, compartilhando os lucros e prejuízos conforme estipulado no contrato.
O Artigo 96, §1º do Estatuto da Terra define os riscos compartilhados neste contrato:
Art. 96. Na parceria agrícola, pecuária, agroindustrial e extrativa, observar-se-ão os seguintes princípios:
(…)
§ 1º Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes dele, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e/ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e/ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante partilha, isolada ou cumulativamente, dos seguintes riscos:
I – caso fortuito e de força maior do empreendimento rural;
II – dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais estabelecidos no inciso VI do caput deste artigo;
III – variações de preço dos frutos obtidos na exploração do empreendimento rural.
Vamos analisar cada um dos riscos elencados pela lei:
- Caso fortuito ou de força maior: refere-se a eventos imprevisíveis ou de difícil previsão, que não podem ser evitados e causam consequências. Nestes casos, os prejuízos são divididos entre ambas as partes. Por exemplo, a inundação da lavoura;
- Frutos, produtos ou lucros obtidos: a partilha destes será feita conforme a proporção estipulada previamente no contrato, respeitando os limites percentuais estabelecidos em lei. Ambos assumem tanto os prejuízos da colheita como os lucros eventualmente obtidos;
- Variações de preço dos frutos obtidos na exploração do empreendimento rural: é comum o mercado apresentar flutuações de preço, especialmente na atividade rural, sendo este um dos riscos assumidos pelo contrato de parceria. Em períodos de baixa, os prejuízos são compartilhados entre o parceiro-outorgado e o outorgante.
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Precificação no contrato de parceria
Na parceria rural, os contratantes definem em contrato uma porcentagem de divisão dos lucros ou dos frutos/produtos ao final da safra, não havendo uma contraprestação mensal. Importante destacar que o pagamento realizado parte em dinheiro e parte em produtos descaracteriza o contrato de parceria, conforme estabelece o § 4º do artigo 96 do Estatuto da Terra.
Art. 96. Na parceria agrícola, pecuária, agroindustrial e extrativa, observar-se-ão os seguintes princípios:
(…)
§ 4º Os contratos que prevejam o pagamento do trabalhador, parte em dinheiro e parte em percentual na lavoura cultivada ou em gado tratado, são considerados simples locação de serviço, regulada pela legislação trabalhista, sempre que a direção dos trabalhos seja de inteira e exclusiva responsabilidade do proprietário, locatário do serviço a quem cabe todo o risco, assegurando-se ao locador, pelo menos, a percepção do salário mínimo no cômputo das 2 (duas) parcelas.
Portanto, quando no contrato de parceria se estabelece o pagamento ao trabalhador parte em dinheiro e parte em percentual da produção agrícola, e a direção do trabalho é exclusivamente exercida pelo proprietário (caracterizando subordinação), será considerado um contrato de trabalho sujeito à legislação trabalhista. Este é conhecido como contrato de falsa parceria, pois busca disfarçar a verdadeira natureza do contrato de trabalho sob a aparência de uma parceria.
Espécies de contrato de parceria
Existem 5 espécies de contratos de parceria:
- Parceria agrícola: na parceria agrícola, o objeto do contrato é a cessão do uso de imóvel rural, com o objetivo de exercer a atividade de produção vegetal. Por exemplo: plantio de soja, milho e cacau;
- Parceria pecuária: ocorre quando o objeto da cessão for animais para cria, recria, invernagem ou engorda, desde animais de pequeno (aves, coelhos e abelhas, por exemplo), médio (ovinos, caprinos e suínos) a grande porte (bovinos, bubalinos e equinos);
- Parceria extrativa: no contrato de parceria extrativa, o uso do imóvel rural tem como objetivo exercer atividade extrativa de produto agrícola, animal ou florestal. Exemplo: extração de látex da seringueira, extração de lenha de eucalipto;
- Parceria agroindustrial: nesse caso, o objeto da cessão será parte ou partes da propriedade rural e/ou maquinaria e implementos, objetivando a transformação de produto agrícola, pecuário ou florestal, a exemplo de um contrato de parceria para a produção de derivados de leite;
- Parceria mista: ocorre quando abrange mais de uma modalidade de parceria. Seria o caso, por exemplo, de um parceiro-outorgado que explora na mesma propriedade rural o cultivo de soja integrado à criação de gado de corte.
Prazos
A lei determina apenas prazos mínimos com relação aos contratos agrários – tanto para parceria quanto arrendamento – sendo estes definidos de acordo com o tipo de atividade (artigo 13, II do Decreto 56.566/66). Dessa forma:
- 3 anos: para atividades de exploração de lavoura temporária e pecuária de pequeno e médio porte. Exemplos: lavoura de arroz, milho, sorgo, soja; criação de aves, caprinos, ovinos, suínos, entre outros;
- 5 anos: para atividades de exploração de lavoura permanente, pecuária de grande porte e extração de matérias-primas de origem animal. Exemplos: uva, frutas cítricas, café, cacau; bovinos para cria, recria e engorda; produção de lã ovina;
- 7 anos: para atividade de exploração florestal. Exemplo: plantio de eucalipto para indústria moveleira.
No entanto, é importante ressaltar que, quando se trata de contrato por prazo indeterminado – ou seja, sem prazo estipulado – presume-se feito pelo prazo de 3 anos. Este foi o entendimento do Superior Tribunal de Justiça em sede de Recurso Especial, determinando ainda que as partes não poderão convencionar prazos inferiores aos estabelecidos pela lei, uma vez que se trata de norma de observância obrigatória.
Confira um trecho da decisão abaixo:
“Segundo a jurisprudência mais recente desta Corte Superior, ‘os prazos mínimos de vigência para os contratos agrários constituem norma cogente e de observância obrigatória, não podendo ser derrogado por convenção das partes contratantes’ (Resp 1.455.709/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 5/5/2016, DJe 13/5/2016).”
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Contrato de arrendamento rural
O contrato de arrendamento rural, assim como o de parceria, tem como objeto o uso específico de imóvel rural, por tempo determinado ou indeterminado, para que nele se exerça atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista, mediante retribuição fixa ou pagamento de aluguel.
O artigo 3º do Decreto 59.566/66 traz o conceito de arrendamento rural:
Art 3º Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante, certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da Lei. (grifos nossos)
Vejamos as particularidades do contrato de arrendamento rural.
Partes do contrato de arrendamento rural
No contrato de arrendamento rural, as partes são o arrendante ou arrendador (a pessoa que cede o imóvel rural a outrem) e o arrendatário (a pessoa ou conjunto familiar que recebe o imóvel ou o toma por aluguel, geralmente representado pelo chefe de família). Assim como no contrato de parceria, o arrendante não precisa necessariamente ser o proprietário do imóvel rural, podendo ser usufrutuário, usuário ou possuidor do imóvel.
Portanto, para atuar como arrendador, é necessário deter a posse do imóvel rural e dos bens, com o direito de exploração e destinação aos fins contratuais.
A legislação também permite que tanto o arrendador quanto o arrendatário sejam pessoas físicas ou jurídicas. Além disso, o próprio arrendatário pode subarrendar o imóvel, desde que tenha livre disposição e administração do bem, e obtenha autorização expressa do arrendador para o subarrendamento.
Precificação no contrato de arrendamento rural
A fixação do preço no contrato de arrendamento rural deve ser obrigatoriamente em dinheiro, isto é, há uma definição prévia de um preço líquido, certo e determinado, independente dos lucros e riscos, os quais são exclusivamente suportados pelo arrendatário.
Assim, se o contrato de arrendamento estipular o pagamento em sacas, quilos de boi gordo ou valor equivalente, por exemplo, ele estará descaracterizado.
Portanto, o contrato de arrendamento assemelha-se a um contrato de locação, pois envolve a cessão de um imóvel mediante uma determinada retribuição.
Prazos
Assim como no contrato de parceria, os prazos mínimos nos contratos de arrendamento também seguem o disposto no artigo 13, II do Decreto 59.566/66, a saber:
- 3 anos: para atividades de exploração de lavoura temporária e pecuária de pequeno e médio porte;
- 5 anos: para atividades de exploração de lavoura permanente, pecuária de grande porte e extração de matérias-primas de origem animal;
- 7 anos: para atividade de exploração florestal.
No entanto, o artigo 95 do Estatuto da Terra traz algumas particularidades em relação aos prazos no contrato de arrendamento.
Art. 95. Quanto ao arrendamento rural, observar-se-ão os seguintes princípios:
I – os prazos de arrendamento terminarão sempre depois de ultimada a colheita, inclusive a de plantas forrageiras temporárias cultiváveis. No caso de retardamento da colheita por motivo de força maior, considerar-se-ão esses prazos prorrogados nas mesmas condições, até sua ultimação;
II – presume-se feito, no prazo mínimo de três anos, o arrendamento por tempo indeterminado, observada a regra do item anterior;
III – o arrendatário, para iniciar qualquer cultura cujos frutos não possam ser recolhidos antes de terminado o prazo de arrendamento, deverá ajustar, previamente, com o arrendador a forma de pagamento do uso da terra por esse prazo excedente; (…)
Dessa forma, conforme previsto no artigo, quando o contrato de arrendamento versar sobre:
- Agricultura: o contrato será concluído apenas após terminada a colheita, sendo que, caso haja atraso por motivo de força maior, o contrato será prorrogado até a sua ultimação;
- Pecuária: considera-se safra, no caso de animais de abate, o período oficialmente determinado para a matança ou adotado pelos costumes da região.
No que tange aos contratos de arrendamento celebrados por prazo indeterminado, presumem-se celebrados pelo prazo mínimo de 3 anos.
Por fim, é preciso ressaltar que o arrendatário deve informar previamente o arrendador caso decida iniciar o plantio de qualquer cultura que não seja possível colher antes do término do prazo de arrendamento. Caso não seja ajustado previamente com o arrendador, o retardamento da colheita não será beneficiado pela prorrogação do prazo acima citado.
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Diferenças entre os contratos de parceria e arrendamento
Apesar de os contratos de parceria e arrendamento terem como objetivo comum o uso específico de propriedade rural, existem diferenças essenciais entre eles, principalmente no que diz respeito aos meios de pagamento, partilha de riscos e implicações tributárias.
Vamos examinar cada uma dessas diferenças a seguir para uma compreensão mais clara.
Precificação
Conforme discutido anteriormente, a legislação estabelece de forma clara os procedimentos para os pagamentos em contratos de parceria e arrendamento rural, bem como a definição de preço que pode descaracterizá-los.
No que diz respeito à parceria, os pagamentos são efetuados com base em uma porcentagem dos lucros ou na produção de frutos/produtos, como estipulado previamente no contrato, desde que dentro dos limites legais. É vedada a remuneração parcial em frutos e parcial em dinheiro, o que acarretaria na descaracterização do contrato de parceria rural.
No caso do arrendamento, a compensação é determinada por um montante fixo em dinheiro, sendo vedado o arrendamento com base em uma quantidade fixa de frutos/produtos ou seu equivalente em dinheiro. Entretanto, embora o preço seja necessariamente em valor monetário, a lei permite que a forma de pagamento seja tanto em dinheiro quanto em quantidade de frutos.
Partilha de riscos
O contrato de parceria rural assemelha-se a uma sociedade, uma vez que implica uma colaboração mútua para alcançar objetivos compartilhados. Dessa forma, tanto os lucros quanto os prejuízos decorrentes da atividade agrícola são compartilhados entre as partes envolvidas.
Em outras palavras, em situações como desastres naturais ou quedas nos preços dos produtos agrícolas, ambas as partes assumem as perdas de acordo com as proporções estabelecidas no acordo. Essa partilha de riscos é uma característica essencial da parceria rural, o que a distingue substancialmente do arrendamento.
Por outro lado, no arrendamento rural, a dinâmica se assemelha mais a um contrato de locação convencional. Aqui, o arrendatário paga uma quantia fixa ao proprietário da terra, independentemente dos resultados da atividade agrícola. Consequentemente, os riscos associados ao empreendimento são inteiramente assumidos pelo arrendatário, enquanto o proprietário recebe uma remuneração estável pelo uso da terra.
Tributação
Outra distinção entre os contratos de parceria e arrendamento reside na tributação dos rendimentos recebidos pelo proprietário do imóvel rural.
Na parceria rural, ambas as partes são tributadas com base na atividade rural, incidindo uma alíquota presumida em torno de 5,5%. Por outro lado, no arrendamento, os rendimentos recebidos pelo arrendante são tributados como aluguel comum, separados da atividade rural, sujeitos a uma alíquota progressiva de até 27,5%, conforme a tabela progressiva do imposto de renda.
Visto isso, com base nas principais diferenças entre os contratos de parceria e arrendamento rural, fizemos um esquema para facilitar a sua compreensão do assunto:
Conclusão
Em conclusão, a escolha entre contrato de parceria e arrendamento rural depende de uma série de fatores específicos de cada situação. A compreensão das diferenças, como a partilha de riscos, os pagamentos e as implicações tributárias, é fundamental para o sucesso das relações agrícolas. Recomenda-se fortemente que essa escolha seja feita com o auxílio de um advogado especializado, garantindo que o contrato reflita de forma precisa os acordos entre as partes e evitando práticas questionáveis.
É essencial manter a transparência e clareza nos contratos, evitando a criação de contratos híbridos que possam comprometer a integridade das relações comerciais. Embora a legislação permita formalizações verbais, é altamente recomendável que as relações, especialmente no caso da parceria, sejam formalizadas por escrito. Isso proporciona uma delimitação mais clara dos direitos, deveres e riscos de cada parte, promovendo relações mais seguras e transparentes.
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Escrito Por
Marina Daun Paes de Almeida
Formada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela PUCPR.