A demarcação de terras indígenas no oeste do Paraná, especialmente em Guaíra, foi o tema central de uma audiência pública realizada na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado Federal nesta quarta-feira (13).
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Na audiência, solicitada pelo senador Sergio Moro (União-PR), o prefeito de Guaíra, Heraldo Trento (DEM), destacou a insegurança jurídica que a disputa por terras indígenas gera no município.
Segundo ele, a região do oeste do Paraná tem vivenciado uma situação muito complexa.
Ele fez um relato de perdas de receitas para seu município, desde a implantação da Usina de Itaipu até mudanças na lei do ICMS – que, segundo ele, prejudicaram o caixa do município.
Para o prefeito, a demarcação de terras indígenas tem gerado muita insegurança jurídica e riscos sanitários, tanto para a agricultura quanto para a pecuária. Ele disse conhecer muitos indígenas que eram integrados na sociedade, mas que hoje demandam por terra.
“Guaíra nunca foi ouvido nesses pretensos processos de demarcação. São ocupações urbanas e rurais. Esses absurdos precisam ser registrados neste momento. Precisamos encontrar um bom termo que pacifique essa situação”, declarou.
Em janeiro deste ano, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin suspendeu as decisões judiciais que impediam a retomada do processo de demarcação da terra indígena Tekoha Guasu Guavira, no Paraná.
O território está localizado nos municípios paranaenses de Guaíra, Altônia e Terra Roxa, próximos à fronteira do Brasil com o Paraguai. A decisão foi tomada em meio ao aumento dos conflitos violentos na região.
Na audiência no Senado, o procurador jurídico da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), Klauss Dias Kuhnen, reforçou a necessidade de se respeitar a lei do marco temporal, que estabelece que só podem ser demarcadas terras indígenas que já estivessem ocupadas pelos povos originários em 1988.
Segundo Kuhnen, os municípios da região registraram invasões de terra produtiva pelos indígenas a partir de 2014.
Ele fez uma defesa da importância do agronegócio para do Paraná e disse que mesmo terras registradas antes de 1988 têm sido invadidas por indígenas.
De acordo com o procurador, muitos produtores têm tido dificuldade de conseguir crédito junto aos bancos, porque suas terras estão em disputa pela demarcação.
Marco temporal
O Senado aprovou, em setembro do ano passado, o projeto que deu origem à lei do marco temporal (14.701, de 2023). Alguns trechos foram vetados pelo presidente Lula, mas o Congresso derrubou esses vetos, em dezembro de 2023.
O STF, por sua vez, já vinha analisando a questão e definiu em setembro do ano passado que é inconstitucional limitar a demarcação à data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. O placar foi de 9 votos a favor e dois contrários.
O senador Sergio Moro (União-PR), que presidiu a audiência, disse que apesar da legislação, algumas regiões do país vêm enfrentando problemas com a aplicação da lei.
“Há uma grave incerteza do Executivo sobre o marco temporal. Isso tem trazido insegurança jurídica na região oeste do Paraná, podendo descambar até para a violência. É um microcosmo que reflete a situação do país. Quero rogar ao governo que cumpra a lei”, pediu Moro.
A senadora Tereza Cristina (PP-MS) disse que é fundamental que a Funai e o Ministério da Justiça informem ao país os processos de demarcação de terras indígenas. Para a senadora, muitos produtores estão impedidos de trabalhar na própria terra, por conta dessa insegurança jurídica. Ela questionou se a Funai não reconhece a legitimidade do Congresso Nacional em legislar sobre o tema e aprovar o marco temporal.
Funai diz que ‘cumpre missão’
A diretora de Proteção Territorial da Funai, Maria Janete Albuquerque de Carvalho, afirmou que a política indigenista no Brasil remonta a 1910, sendo a Constituição de 1988 seu marco mais relevante.
Segundo a diretora, a marcação de terras indígenas faz parte da missão institucional do estado brasileiro. Ela disse que uma demarcação demanda estudo técnico e ressaltou que todo o processo é embasado na lei, garantindo inclusive o contraditório e as contestações.
Maria Janete informou que, na região do oeste do Paraná, muitos povos indígenas perderam suas terras por conta da Usina de Itaipu e disse que a Funai está aberta ao diálogo.
Ela também disse que existe um arcabouço legal que precisa ser seguido na demarcação de terras, incluindo a lei que trata do marco temporal, mas não somente essa lei.
Segundo a diretora, depois da Lei 14.701, de 2023, a Funai ainda não demarcou nenhuma área. Conforme informou a diretora, hoje há cerca de 400 reinvindicações de estudo para novas terras indígenas.
Disputa jurídica
Neste ano, alguns partidos entraram com nova ação para o Supremo julgar a lei que trata da questão do marco temporal. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7583, com pedido de liminar, foi apresentada por PT, PCdoB e PV. Os partidos argumentam que o STF já concluiu que a adoção desse marco temporal para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas não é compatível com a proteção constitucional aos direitos dos povos indígenas sobre seus territórios.
Por outro lado, partidos de oposição pediram ao STF que confirme a validade da lei do marco temporal (ação declaratória de constitucionalidade – ADC 87). Os partidos Progressistas, Liberal e Republicanos pedem ao Supremo que declare a constitucionalidade da norma, especialmente de trechos que haviam sido vetados pelo presidente da República e, posteriormente, mantidos pelo Congresso.