Como as ondas de calor e seca podem afetar a soja e milho
Mariana Rezende – 5 de março de 2024
Ondas de calor e seca: O efeito de temperaturas acima das ideais e baixas pluviosidades para as culturas agrícolas e como o produtor pode se precaver para manter bons níveis de produtividade nesses casos
Introdução
É cada dia mais comum ouvirmos no meio rural que o clima tem influenciado negativamente na produção agrícola. O agronegócio é, em sua maioria, uma “indústria a céu aberto”, o que faz com que a atividade seja muito mais susceptível aos efeitos climáticos, sejam eles amenos ou mais extremos.
A temperatura é um fator primordial para o crescimento de plantas juntamente com a disponibilidade de água, os nutrientes, a radiação solar e demais fatores. Porém, grandes alterações de temperatura, tanto para mais ou para menos, podem causar prejudicar o crescimento de plantas e gerar queda de produtividade.
Com uma tendência de aumento global de temperatura, espera-se que as perdas por ondas de calor na agricultura mundial sejam cada vez maiores e mais recorrentes, por isso é importante conhecermos os efeitos da temperatura e água nas plantas, quais as soluções para diminuir os riscos e as técnicas de manejo para amenizar seus efeitos.
Nesse artigo trataremos do efeito das ondas de calor em cultivos agrícolas, com ênfase especial em milho e soja. Siga conosco.
Estresses abióticos e suas causas
Os estresses abióticos são definidos como alterações em fatores não-vivos que levem a condições não ideais para os cultivos agrícolas. Eles normalmente são alterações nos seguintes fatores: temperatura, precipitação, nutrientes, nível de poluentes ou materiais tóxicos, salinidade, etc.
A influência do clima, contudo, é a mais comumente reportada como limitante, sendo que a restrição hídrica e as altas temperaturas são as mais impactantes na agricultura tropical brasileira. Apesar de terem efeitos um pouco diferentes, normalmente os estresses de altas temperaturas (térmico) e de baixa disponibilidade de água (hídrico), acontecem em conjunto.
Os padrões de alteração de elevação de temperatura e alteração do regime de chuvas são normalmente influenciados por efeitos climáticos, como o El Niño e La Niña e também por padrões globais que se alteram ao longo dos anos.
No Brasil, o fenômeno La Niña normalmente é relacionado à evento de seca e altas temperaturas no Sul do país, como observado na safra 2022/23. Já o El Niño causa efeitos similares na região Centro-Oeste, como visto no início da safra 2023/24.
Efeitos do El Niño e La Niña no Brasil (Fonte: Kasuya)
Como as ondas de calor e seca influenciam as plantas?
Toda planta tem uma faixa ideal de temperatura e estado hídrico em que ela tem seu ponto ótimo de metabolismo. Temperaturas acima ou abaixo da faixa ideal causam diminuição na eficiência metabólica, na atuação de enzimas, refletindo nos níveis de transpiração, respiração e fotossíntese. Isso acarreta perda na acumulação de biomassa e impactos negativos na produtividade.
Ao vivenciar uma situação de estresse, as plantas lançam mão de estratégias para acelerar sua produção, gerar sementes e perpetuar a espécie. Algumas dessas estratégias são o encurtamento de ciclo, senescência foliar, aborto e derrubada de estruturas reprodutivas (como flores e frutos). Essas estratégias de sobrevivência, normalmente são contrárias à alta produção.
Os estresses por calor ou seca, causam problemas principalmente nos processos abaixo:
- Germinação: a temperatura e a umidade do solo são fatores primordiais para a germinação de sementes. Por esse motivo, falta de água e temperaturas muito altas ou baixas normalmente causam baixa germinação e emergência, falhas no estande e diminuição do número de plantas por área, além de afetarem o vigor inicial da lavoura;
- Transpiração: temperaturas muito altas e baixa umidade no solo fazem com que as plantas fechem seus estômatos para evitar murcha permanente e morte;
- Fotossíntese e acúmulo de biomassa: ao fechar os estômatos as plantas limitam a entrada de gás carbônico do ar, o que diminui a fotossíntese e, consequentemente, a acumulação de biomassa na forma de matéria seca, impactando na produção;
- Aporte de nutrientes: A baixa transpiração e a falta de água no solo diminuem o aporte de nutrientes que vêm através da solução do solo absorvida pelas raízes.
- Enzimas e pigmentos: há uma diminuição na concentração e atividade enzimática e nos pigmentos, causando clorose, baixa eficiência fotossintética, limitando o metabolismo e a produção;
- Florescimento: a etapa do florescimento é muito sensível aos estresses térmico e hídrico, com aborto e queda de flores, diminuição da taxa de fecundação e esterilidade;
- Manutenção e enchimento de grãos: os estresses fazem com que as plantas abortem e derrubem estruturas reprodutivas, além de limitar o enchimento de grão e a granação das estruturas que permanecem, diminuindo grandemente a produção.
Influência do calor e seca na soja e milho
Além dos fatores citados acima, o calor e seca alteram o ciclo de produção da soja e do milho. Os estresses abióticos atuam de maneira diferente em cada estádio de desenvolvimento das culturas do milho e da soja.
Em termos de condições ideais, há diferenças entre a soja e o milho, principalmente por serem plantas com metabolismos diferentes, C3 e C4. A soja se desenvolve melhor em temperaturas na faixa dos 20 aos 28 oC, enquanto o milho tem uma faixa mais alta de 24 a 30 oC. Em termos hídricos, há grande variação entre os materiais genéticos, mas a faixa de 400 a 800 mm ao longo do ciclo, é o mais comum para ambas as culturas.
Além das influências citadas acima, há alterações também no ciclo das culturas e suas épocas de plantio e colheita. Condições de pouca pluviosidade combinada com calor extremo normalmente levam ao atraso no plantio da soja, pois o produtor aguarda por condições mais propícias e seguras para o plantio.
Dessa forma, um plantio tardio da soja causa um atraso em sua colheita e consequente atraso no plantio do milho. A soja tardia corre mais riscos de perdas por doença, além da diminuição da produtividade por questões como radiação e temperatura.
Já no milho, um atraso na safrinha aumenta grandemente a possibilidade de limitação hídrica no final do ciclo, com a redução natural de chuvas no Outono e consequente perda de produtividade.
Ciclo vegetativo da soja (Fonte: Aegro)
Ciclo vegetativo do milho (Fonte: Aegro)
Técnicas para manter produtividade frente a ondas de calor
Existem técnicas que podem ser usadas para aumentar a tolerância e amenizar os efeitos das ondas de calor e secas no campo. Hoje em dia, cada vez mais se usam técnicas conservacionistas que visam dar maior robustez ao sistema agrícola como um todo.
Abaixo citamos alguns exemplos:
- Aumento da matéria orgânica solo e de microrganismos benéficos;
- Potencializar crescimento de raízes;
- Uso de genótipo tolerantes ao calor e à seca;
- Uso de produtos hormonais, nutricionais e bioestimulantes;
- Uso de irrigação;
- Boas práticas agrícolas como plantio direto, adubação verde, integração florestal, dentre outras;
- Monitoramento do clima;
- Análise de risco e zoneamento climático de culturas para região de implantação;
- Gestão da propriedade;
- Seguro agrícola.
Conclusão
As condições climáticas afetam grandemente a viabilidade e rendimento das culturas agrícolas. Condições não-ideais de temperatura e pluviosidade causam alterações metabólicas nas plantas, levando à limitação da produção.
Esses extremos climáticos podem ser causados por fenômenos específicos regionais ou fazem parte de um padrão global. As perdas por esse motivo podem causar quebras de safra de produtos agrícolas, com consequente alteração nos seus preços, levando a insegurança alimentar.
O produtor pode lançar mão de técnicas para se prevenir ou para amenizar os efeitos nocivos dos estresses abióticos e deve estar atento às possibilidades que são apresentadas.
Sou formada em economia e mestre em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Atualmente sou doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Economia e graduanda de Ciências Contábeis na mesma instituição.