A cadeia leiteira é um dos setores mais importantes na produção de alimentos de origem animal no país, abrangendo uma ampla rede de sistemas que começa com a retirada do leite cru nas propriedades rurais até a disponibilidade do produto lácteo final nas prateleiras.
Nesse contexto, as indústrias lácteas desempenham um papel crucial ao coordenar toda a logística de coleta, transporte e processamento do leite.
No entanto, é complexo todo planejamento sustentado na manutenção viável dessa rede, especialmente quando levamos em consideração operações como a coleta e transporte do leite.
Nesse artigo, abordaremos os principais desafios dessa coleta, trazendo pontos como a infraestrutura de armazenamento e vias de acesso nas fazendas, bem como as condições precárias das estradas rurais, a sazonalidade do volume de leite coletado e as flutuações do mercado, as quais tornam o planejamento da captação e transporte um desafio singular para a indústria.
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Logística de coleta
A logística de captação eficiente se destaca como um dos maiores obstáculos dentre os desafios no estabelecimento de uma rede de coleta e transporte. O emaranhado de vias rurais, para o acesso às propriedades, se delibera em dois aspectos cruciais: a dificuldade de acesso e a distância entre os pontos de coleta.
A precariedade das vias de acesso às propriedades, especialmente estradas mal estruturadas, esburacadas, estreitas e sem nenhuma infraestrutura de drenagem e sustentação, resulta em altos custos de transporte do leite.
Isso ocorre tanto pela manutenção frequente dos veículos quanto pela necessidade de utilizar veículos menores, o que eventualmente reduz o volume de captação e exige mais viagens dos pontos de coleta aos locais de processamento.
Somado a isso, a distância entre os pontos de coleta atribui um desafio a mais, seja pelo custo com combustível ou pelo tempo de armazenamento do leite cru, o qual, conforme as instruções normativas 76 e 77, não deve ultrapassar 48 horas da coleta ao processamento, com condições específicas de temperatura e qualidade a serem respeitadas.
No entanto, o tempo de armazenamento, mesmo em caminhões-tanques isotérmicos, pode resultar em alterações físico-químicas no leite, tornando-o inviável para o processamento, principalmente quando temperaturas e concentrações microbianas específicas são extrapoladas.
Além disso, a falta de investimento nas vias dentro das propriedades, também carreiam todos os obstáculos perceptíveis nas vias públicas. Que, não obstante, dos desafios já descritos, torna mais laborioso o deslocamento, e agrega mais custos na manutenção e reparo dos veículos.
Figura apresentando rotas de coletas e transporte de leite. Fonte: Milk’s rota 2023
Portanto, nos últimos anos, o planejamento de rotas de captação de leite tem sido um dos principais focos de investimento. Isso envolve a busca por esquematizar trajetos com menor quilometragem e maior acessibilidade das vias de chegada aos pontos de coleta, sempre considerando a capacidade de transporte dos caminhões.
Além disso, incentivos à manutenção e correção das estradas nas propriedades, seja por meio de bonificações ou descontos sobre o valor pago por litro, é uma ótima aplicação de cooperação entre produtores e indústria.
Outra medida importante é a adoção de softwares de posicionamento e sinalização de rotas, que se tornaram ferramentas essenciais na dinâmica do transporte de leite.
Esses softwares permitem um acompanhamento otimizado dos trajetos e podem ser atualizados conforme as condições da via e da demanda de volume em cada rota cadastrada, proporcionando maior eficiência logística e redução de custos operacionais.
Armazenamento e infraestrutura das propriedades
Concomitantemente aos desafios das vias de acesso, a estrutura de armazenamento e a qualidade do leite dentro das propriedades interfere diretamente no planejamento da captação e transporte.
Visto que, propriedades com sistemas de armazenamento inadequados não conseguem manter o leite em temperaturas ideais, ocasionando instabilidade química do leite e redução de sua qualidade.
Além disso, uma má higiene da ordenhadeira, do tanque de expansão e durante a ordenha, contribuem para um aumento da carga microbiológica, gerando uma diminuição do tempo de viabilidade do leite. Essa situação obriga a diminuir o tempo de permanência do leite ao longo do transporte para evitar prejuízos na qualidade.
Deste modo, a adoção de boas práticas de higiene, como a limpeza adequada e o acompanhamento dos equipamentos (ordenhadeira e tanque de expansão), juntamente com o posicionamento correto desses dispositivos, desempenham um papel crucial na redução da contaminação e no controle da carga microbiana.
Dado a rica composição do leite, como também as possíveis sujidades decorrentes da ordenha, os procedimentos de higiene, como o enxágue externo das teteiras e internos nas tubulações, limpeza com detergente alcalinos clorados e detergentes ácidos, e a desinfecção e sanitização do tanque, são primordiais, para a manutenção e prolongamento da viabilidade do leite.
Figura mostrando um esquema simplificado de fatores que prolongam a viabilidade do leite frente a coleta e transporte. Fonte: Eliel Ariadner Scavazzini Neves
Além disso, o resfriamento do leite no tanque de expansão a temperatura menor ou igual a 4°C deve ser de no máximo 3 horas após a ordenha.
Todo esse cuidado deve ser seguido também nos tanques isotérmicos dos caminhões coletores. Deve-se realizar a limpeza externa e a sanitização interna do tanque e dos utensílios e acessórios utilizados na coleta, após cada descarga na indústria ou postos de refrigeração.
Além disso, antes e após cada coleta, a realização da higiene do registro de saída do tanque é imprescindível para a não contaminação do leite, já que é um local de acúmulo de sujidade e resíduos.
Segundo a IN 77, artigo 30 parágrafo único, a temperatura do leite cru refrigerado no ato de recepção na unidade de processamento não deve exceder 7°C, e em situações excepcionais admite até 9°C. De modo que, da coleta na propriedade (4°C), até o recebimento, o tanque isotérmico deve ter a capacidade de manter a temperatura estável, não acrescendo acima de 3°C. Isso implica, na vistoria frequente do potencial térmico dos caminhões, como também no planejamento do tempo entre a coleta e a descarga.
Interferências da sazonalidade da produção e flutuação de volume no mercado
O sistema de produção de leite no Brasil possui um perfil muito heterogêneo, sendo composto por diferentes arquiteturas de criação, que variam em intensivo, semi-intensivo ou extensivo, como também variáveis dimensionamentos de rebanhos, sobretudo pequenos e médios.
Isso modula uma bovinocultura de leite sensível e suscetível a várias influências, como a disponibilidade de alimentos, condições climáticas, manejo da criação e a genética do rebanho.
Dentre esses fatores, o clima possui uma dinâmica direta com o volume de leite produzido, já que em épocas mais chuvosas os pastos e as plantações se tornam mais abundantes e nutritivos.
Isso possibilita um maior aporte nutricional, tanto em quantidade quanto em qualidade, resultando em maior produtividade e menor custo de produção por litro de leite.
Como consequência, há um aumento no volume de leite no tanque, permitindo a maximização da coleta de leite com caminhões operando em capacidade máxima. Esse aproveitamento do espaço reduz o custo por volume transportado frente ao consumo de combustível, tornando o frete mais econômico.
Todavia, em épocas secas ocorre a falta da disponibilidade de alimentos em quantidade e qualidade, o que pode gerar uma queda da produção, impactando diretamente nos custos de produção, e também de transporte.
Além disso, a depender da flutuação do mercado, o produtor sofre um ônus no custo total de produção, ônus este muito presente nos últimos anos, caracterizado por aumento das cargas inflacionárias, acrescido pelo alto custo de expansão do negócio, o qual é agravado pelo gradativo retorno financeiro.
Esses aspectos diminuem a propulsão da produção dos pequenos e médios produtores, aumentando a instabilidade do sistema produtivo, impactando diretamente no volume de leite coletado pelos laticínios. E como já visto, gera todo um desafio de logística na captação e transporte deste produto.
Gráfico apresentando a queda na produção de leite total adquirido nos últimos anos, enfatizando quedas históricas na produção em trimestres de menor pluviosidade. Fonte: IBGE 2023 adaptado
Para amortecer esta sazonalidade da produção, como também mitigar as variações do mercado, o planejamento a curto, médio e longo prazo é fundamental.
Planejamentos referentes a quantidade de animais em lactação, pré-parto, cria e recria são fundamentais para a estimativa do aporte alimentar necessário ao longo do ano, principalmente em meses de estiagem.
Analisar a viabilidade de investimentos, e o preço pago pelo leite em conjunto com o custo de produção, são as bases para solidificar estratégias que favorecem a estabilidade da produção e consequentemente da lucratividade.
Algumas indústrias, já vêm implementando um planejamento de produção conjuntamente aos produtores, auxiliando na composição de projetos de médio e longo prazo. Isso favorece tanto o produtor, quanto a indústria, que consegue aumentar a previsibilidade, facilitando a programação de toda a logística de coleta.
Gráfico apresentando o custo de produção do leite de 2006 a 2022, índice EMBRAPA-CILeite. Fonte: CILeite 2023
Considerações finais
Diante deste complexo mecanismo associado ao transporte, é evidente que a solução para a redução de custos e, consequentemente, a otimização do transporte de leite, requer uma abordagem abrangente.
Isso engloba a adoção de ações desde o planejamento cuidadoso da produção na propriedade, passando pelas boas práticas de higiene e armazenamento do leite, até a logística eficiente das rotas de acesso.
Somente com uma integração efetiva desses elementos é possível alcançar um transporte de leite mais eficaz e sustentável em todos os aspectos.
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