O parto propriamente dito é o processo no qual o feto é expelido do útero da mãe, esse processo é mediado por diversas alterações hormonais e fisiológicas tanto da bezerra que vai nascer quanto da vaca.
Esse parto pode ser classificado como eutócico ou distócico, onde o eutócico se refere a um parto natural, sem complicações, tendo todo o processo ocorrendo de forma espontânea e sem necessidade de intervenção e o distócico a um parto complicado, com necessidade de intervenção.
Nesse texto inicialmente iremos discutir sobre fases do parto, a fim de evidenciá-lo fisiologicamente, além de tratar sobre a definição de um parto distócico, como reconhecer e suas principais causas. Por fim trataremos sobre quando e como intervir, como prevenir e os principais impactos desses partos em uma fazenda.
Quais são as fases do parto?
Para iniciarmos o entendimento sobre o parto distócico em vacas, primeiramente é essencial termos o conhecimento fisiológico do parto, para que a partir daí possamos reconhecer alterações.
O parto pode ser dividido em três estágios:
Fase 1 – Preparação
Os sinais que o parto está próximo podem começar a ser percebidos cerca de 3 semanas antes, sendo que 1 semana antes do parto teremos essas características mais evidenciadas. Nessa fase ocorre:
- Demonstração de desconforto, inquietação, ansiedade e procura refúgio;
- Relaxamento dos ligamentos isquiático e articulação sacro-ilíaca;
- Desmineralização da sínfise púbica seu afastamento;
- Dilatação da cérvix;
- Atividade da glândula mamária;
- Edema de vulva;
- Liquefação do tampão mucoso;
- Pico de cortisol do feto.
Poucas horas antes do parto o feto assume uma posição que vai facilitar o momento do nascimento que é a estática fetal, o bezerro fica com a cabeça e membros anteriores voltados para o canal do parto, essa posição é denominada apresentação anterior.
Também é possível encontrar animais com a apresentação posterior com as patas traseiras estendidas dentro do canal pélvico, que apesar de não ser tão comum é considerada normal, essas apresentações vão facilitar no momento do parto aumentando a chance de a vaca ter uma parto eutócico, ou seja, normal, sem auxílio externo.
Fase 2 – Dilatação
Nessa fase, o feto já se encontra insinuado no canal do parto. Essa fase pode ter duração de 2 a 6 horas.
Nessa fase não se observam manifestações evidentes de contrações musculares da parede abdominal e muitas vezes esta fase só é reconhecida quando as bolsas fetais já são visíveis na vulva. Nesse momento tem-se a dilatação completa da via fetal mole, ou seja, a cérvix está dilatada.
Vaca em fase de dilatação com bolsas fetais visíveis. Fonte: Acervo Rehagro
Fase 3 – Expulsão
Essa fase inicia com o rompimento das bolsas fetais e nesse momento temos ação de contração uterina e abdominal. A vaca normalmente nessa fase deita, olha para o flanco, e é nesse momento que ocorre a liberação de relaxina e estrógenos responsáveis pelo relaxamento e liberação de muco lubrificante.
A expulsão do feto pode apresentar diferenças a depender da categoria (primíparas e pluríparas), onde temos o nascimento após a bolsa romper:
- Primíparas = 4 horas;
- Pluríparas = 2 horas.
Nessa fase temos:
Contrações uterinas + Reflexo de Ferguson/Contrações abdominais/Canal sob efeito de estrógeno e relaxina = EXPULSÃO DO FETO 🡪 Início da desconexão placentária.
A liberação dos anexos fetais é considerada a última fase do parto e nela ocorre estímulos físicos, imunes e hormonais para que todos os envoltórios fetais sejam expulsos do útero.
Vaca na fase final de expulsão do feto. Fonte: Acervo Rehagro
O que é um parto distócico?
Sabemos então que o parto distócico ou distocia é a dificuldade durante o parto e que essa dificuldade pode ter causa materna (anomalias pélvicas, vulvares, vaginais cervicais e uterinas, contrações excessivas ou hipotonia uterina e falta de dilatação), ou causa fetal (alterações na estática fetal, gestação prolongada ou deformações).
Uma causa comum de distocia está relacionada com a estática fetal no momento do nascimento, ou seja, quando o feto de encontra em uma posição não ideal para nascer e entender sobre a estática fetal ideal é necessária para checarmos se não há alterações e consequentemente necessidade de intervenção.
Estática fetal
Caracterizada pela disposição do feto no interior do útero durante a gestação bem como sua postura no momento do parto.
É indispensável conhecê-la para termos um diagnóstico, prognóstico e tratamento de um parto distócico. Ela pode ser descrita pela relação do feto com a pelve materna ou pela definição de apresentação, posição e atitude.
Apresentação
É a relação com o eixo longitudinal materno.
- Anterior (cefálica);
- Posterior (podálica).
Posição
É a relação da porção dorsal do feto sustentada pela calota craniana e pela coluna vertebral com o dorso materno.
- Dorsal ou superior.
Atitude
É a relação entre as partes móveis do feto – membros posteriores, cabeça e pescoço – e seu próprio corpo.
- Estendida.
Em um parto eutócico espera-se: apresentação longitudinal anterior, posição dorsal ou superior e atitude estendida.
Exemplos de estática fetal normal (primeira imagem) e alterações na estática fetal. Fonte: Eu Medicina Veterinária
Quando e como intervir em um parto distócico?
Durante a segunda fase do parto é essencial que a vaca fique sob monitoramento, porém a intervenção não é urgente pois o parto transcorre mais lentamente.
Então a intervenção somente será feita quando houver suspeita de distocia de causa fetal, não houver progressão no parto após o surgimento dos membros da bezerra, comprometimento do estado geral da vaca e da bezerra e presença de corrimento vaginal de odor pútrido.
É importante destacar que o sucesso da manipulação obstétrica das distocias fetais dependerá:
- Tempo da evolução do parto;
- Viabilidade fetal;
- Grau de dilatação das vias fetais dura e mole;
- Equipamentos disponíveis;
- Preparo do pessoal de apoio.
Antes da intervenção é necessária uma criteriosa higiene do períneo, dos membros posteriores e da cauda da vaca, além disso, é imprescindível que se tenha uma adequada proteção e segurança do obstetra e que o mesmo esteja com vestuário apropriado.
Além disso, é importante que esteja organizado e de prontidão materiais que serão utilizados durante o procedimento, como por exemplo água, substância lubrificante, anti séptico, correntes/cordas, ganchos e protocolo anestésico.
Na intervenção, inicialmente deve ser feito um exame obstétrico interno, por via vaginal para que então seja possível avaliarmos a viabilidade, resposta contrátil do útero, grau de lubrificação, dilatação das vias fetais, o tamanho do produto e presença de rigor mortis.
Quando temos um feto vivo ou recém-morto a correção da distocia em sua grande parte pode ser facilmente corrigida, havendo maior dificuldade quando temos fetos transversos, apresentação posterior com flexão bilateral da articulação coxofemoral e em casos de monstruosidades.
Quando não há possibilidade de correção do feto vivo, é indicado a realização da cesariana e quando se tem morte fetal, a fetotomia parcial ou total.
Manobra de extensão
Utilização de cordas para tração forçada. Fonte: Jackson, 2004
Como prevenir partos distócicos?
A prevenção de partos distócicos dentro de uma fazenda envolve uma abordagem abrangente que engloba desde aspectos relacionados ao manejo dos animais, a saúde reprodutiva e a nutrição. Dentre as práticas que podem auxiliar na prevenção de distocias em vacas leiteiras, podemos citar:
- Manejo nutricional adequado: dieta balanceada e adequada às necessidades nutricionais de vacas e novilhas gestantes é fundamental, pois a escassez ou falta de nutrientes essenciais pode comprometer o desenvolvimento e crescimento fetal, aumentando o risco de distocia.
- Monitoramento da condição corporal: vacas com condição corporal inadequada podem ter uma maior disposição à distocia.
- Momento ideal para liberação de novilhas para reprodução: é importante que as novilhas sejam liberadas com idade e peso corporal adequado (de 90 a 92% do peso adulto), pois quando se tem animais entrando em reprodução muito cedo, ou seja, sem desenvolvimento físico ideal, temos maiores chances de partos distócicos nesses animais.
- Seleção genética: devemos considerar a seleção genética para características reprodutivas, avaliando sempre a facilidade do parto e o tamanho do bezerro ao nascer. Essa abordagem é implementada no momento da escolha do touro para reprodução.
- Monitoramento pré-parto: é importante que o monitoramento dos animais em pré-parto seja realizado inúmeras vezes no decorrer do dia e também a noite quando possível. Esse monitoramento inclui observar sinais de trabalho de parto e também sinais de distocias.
- Treinamento e conscientização: a equipe de manejo deve ser treinada para reconhecer sinais de distocia e também agir prontamente em casos de emergência.
Qual o impacto dos partos distócicos na propriedade leiteira?
Os partos distócicos podem impactar de várias maneiras nas fazendas leiteiras, afetando tanto a saúde e bem-estar animal quanto também a parte econômica.
Um parto difícil vai debilitar tanto a vaca quanto a bezerra.
Na bezerra podemos ter:
- Lesões e debilidade;
- Aumento nos riscos de doenças;
- Menor vitalidade e dificuldade de desenvolvimento;
- Maior mortalidade.
Já a vaca pode ocorrer:
- Lesões físicas;
- Aumento dos riscos de infecções;
- Redução na fertilidade;
- Deslocamento de abomaso.
Quanto aos impactos econômicos, podemos citar:
- Redução na produção de leite: visto que vacas que passam por distocias podem ter uma recuperação pós-parto mais lenta e consequentemente uma menor produção de leite nesse período.
- Desempenho reprodutivo prejudicado: devido a um parto distócico, a vaca pode ter um desempenho reprodutivo comprometido, resultando em um intervalo entre partos maior e menor eficiência reprodutiva.
- Aumento de custo com tratamento e mão de obra especializada: a necessidade de assistência técnica em casos de distocias pode ser realidade em muitas fazendas, principalmente quando se trata do insucesso da realização de manobras de correção da estática fetal e se faz necessária a realização de cesariana ou fetotomia. Além disso, há um aumento do custo com medicamentos nesses animais, seja no momento dos procedimentos ou posteriormente a fim de prevenir ou tratar possíveis agravantes.
Considerações finais
Em resumo, sabemos então que os partos distócicos podem gerar impactos na saúde e desempenho dos animais, além de afetar no ponto de vista econômico.
É imprescindível que sejam adotadas medidas preventivas atrelada a um manejo adequado quando essas situações se fizerem presentes a fim de minimizar esses impactos.
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