Na propriedade da família da agricultora e apicultora Lígia Mara Jung, em Floresta, na região Noroeste, abelhas e grãos sempre conviveram em harmonia. “Desde a época em que meu pai era pequeno, tinha abelha no meio do café”, conta. O segredo da coexistência entre lavouras e colmeias é o respeito. “Meu pai usava BHC [composto banido da agricultura brasileira nos anos 1980], canhão de pulverização, venenos fortíssimos, mas sempre tomava uma série de cuidados para não prejudicar as abelhas. Não aplicava quando tinha vento, nem nos locais onde elas poderiam estar”, explica.
Aquilo que o pai de Lígia praticava de forma intuitiva está se transformando em um protocolo de boas práticas para a convivência entre sojicultores e apicultores, por meio de uma parceria entre a multinacional da área química Basf e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). “Estamos com um projeto para validar o que foi descoberto e transformar esse conhecimento em um protocolo que seja utilizado por apicultores e sojicultores”, detalha o pesquisador da Embrapa Soja, Decio Gazzoni.
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O projeto, que começou em 2022 com previsão de ir até 2025, envolve produtores do Paraná, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. A proposta é, a partir de um protocolo de boas práticas agrícolas e apícolas, utilizar grupos de apicultores com até cinco apiários e de sojicultores que estejam próximos a essas colmeias, para comprovar se o desenvolvimento destas duas atividades em espaços integrados pode ser positivo.
“Todos esses anos de trabalho mostraram algumas práticas agrícolas, apícolas e de comunicação, que agora estamos testando”, conta Gazzoni. Segundo o pesquisador, a relação entre colmeias e lavouras da oleaginosa pode trazer benefícios para ambas as atividades se houver boa convivência. “É possível uma relação de ganha-ganha. A soja é um bom pasto apícola, que pode aumentar a produção de mel. Já o sojicultor tem um aumento na produção quando há apiários por perto”, revela.
De acordo com o pesquisador da Embrapa, os apicultores conseguem retirar até 30 quilos de mel por caixa durante a florada da soja. Essa quantidade é 63% maior em relação à média brasileira (19 quilos por ano). Do outro lado da cerca, a produtividade da soja é incrementada em cerca de 13% quando existe a presença de abelhas polinizando a lavoura. “Isso sem incremento no custo de produção”, destaca Gazzoni.
Esse ganho sempre esteve no radar do pai da produtora do município de Floresta. “Ele sempre falava que a produção de soja ao redor do apiário era melhor”, conta Lígia. Apesar de praticar a apicultura há tempos, somente depois que a soja ganhou espaço na propriedade que a produção de mel se tornou um negócio. “A vida inteira teve a apicultura junto com as culturas agrícolas. Até a década de 1990, o mel era só para consumo próprio. Nos anos seguintes houve necessidade de vender o excedente”, relata a produtora que, no ano passado, produziu uma tonelada do produto.
Hoje, a propriedade conta com 90 colmeias. A quantidade já foi maior, mas ocorreu perda por conta da deriva de agroquímicos de uma aplicação aérea inadequada de um vizinho. “No ano anterior [à pulverização] havíamos colhido duas toneladas de mel e, no ano seguinte, apenas 30 quilos”, recorda. O agroquímico despejado de avião também dizimou totalmente a criação de abelhas nativas de outra área próxima.
Após as ocorrências, diversos órgãos como a Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar) e o Ministério Público passaram a fiscalizar a atividade. “O pessoal teve que entender que existem normas para pulverização aérea”, recorda. Após esse episódio, segundo Lígia, esse tipo de aplicação deixou de ser comum na região.
Difusão da informação colabora para evitar dissabores
Apesar de as boas práticas serem conhecidas pela maioria dos produtores, é preciso reforçar a difusão das informações para evitar contratempos. Uma das chaves para este entendimento é a comunicação. “Precisamos dar uma chacoalhada nas pessoas. Se o agricultor entender que aquela abelha vai ajudar a produzir mais sem ele perder nada, já vai ser fenomenal”, acredita a produtora Lígia Mara Jung, participante do projeto conjunto da Embrapa e Basf no Paraná. “Os dois lados devem estar em conversa permanente.
O apicultor deve dizer onde estão suas caixas e o agricultor deve avisar com, ao menos 48 horas de antecedência, que pretende fazer uma aplicação. Assim dá tempo de o apicultor fechar ou cobrir as caixas”, observa o pesquisador da Embrapa Soja, Decio Gazzoni.
Outras recomendações envolvem as técnicas de aplicação, como não realizar pela manhã, quando as abelhas estão na lavoura, ou promover intervenções com agroquímicos apenas quando a densidade populacional de pragas atinge o nível de dano econômico (confira as dicas no quadro da página 16). “Além disso, evitar utilizar defensivos nas três semanas da floração de soja. Até porque nesse período não tem mais as pragas nos estágios vegetativo [da planta] e reprodutivo”, indica Gazzoni.
O pesquisador da Embrapa Soja lembra que, além de ser um importante indicador de saúde ambiental, a preservação das abelhas também repercute junto a parceiros comerciais e clientes internacionais. “Esse cuidado com as abelhas é uma pauta importante para os países que importam nossa soja.
Notícias de que nós estamos protegendo as abelhas fazem parte do currículo de bom comportamento do produtor e melhoram a nossa imagem”, afirma.
LIVRO
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Dicas para boa convivência entre sojicultores e apicultores
Da parte do agricultor
– Informe os apicultores vizinhos com antecedência de 48 horas que pretende fazer uma aplicação de defensivos;
– Não aplique defensivos pela manhã (momento em que as abelhas visitam as lavouras);
– Não realize aplicações durante a florada da soja;
– Não faça aplicações se houver vento;
– Verifique se os equipamentos de aplicação estão em boas condições.
Da parte do apicultor
– Coloque as caixas a uma distância de pelo menos 50 metros da lavoura;
– Não instale os apiários na direção do vento dominante;
– Mantenha as caixas a uma distância de 500 metros das áreas de trânsito de pessoas ou animais para evitar acidentes;
– Mantenha no máximo três apiários por hectare para não acirrar a competição entre as abelhas.
Fonte: Embrapa Soja
Ibama restringe uso de produto nocivo às abelhas
Em dezembro de 2023, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente de Recursos Naturais Renováveis (Ibama) restringiu o uso do Fipronil, presente em diversas marcas de agroquímicos utilizados na agricultura. A medida busca evitar a mortandade de abelhas, uma vez que o produto apresenta efeitos adversos ao inseto polinizador. Desta forma, está proibida a aplicação aérea, foliar e durante o período de floração, sob o risco de incidir em crime ambiental. Apenas está autorizado o uso do Fipronil para aplicação no solo e no tratamento de sementes.
Cursos do Sistema FAEP colaboram para a integração das atividades
O roteiro para a boa convivência entre lavouras de soja e colmeias de abelhas tem contribuição direta dos cursos do Sistema FAEP. Alguns dos mais de 250 títulos do catálogo da entidade elencam práticas necessárias para que estas duas atividades (produção de grãos e apicultura) encontrem um equilíbrio que traga benefícios.
Na área de apicultura existem três títulos disponíveis. Na capacitação “Apicultura básica”, com 32 horas de duração, o participante aprende os fundamentos para produção de mel, própolis, cera e geleia real, seja com viés comercial ou apenas para lazer. Outra formação nesta área é a “Apicultura avançado – produção de rainhas e própolis”, com carga horária de 40 horas, voltada aos produtores que pretendem aprimorar sua produção.
Também há uma formação voltada àqueles que pretendem criar abelhas nativas. O curso “Abelhas sem ferrão”, com 24 horas, fomenta a criação de meliponídeos, além da necessidade da atuação destes insetos na manutenção do equilíbrio biológico dos biomas brasileiros e na preservação de diversas espécies vegetais.
Do outro lado da cerca, o Sistema FAEP oferece conhecimento de qualidade para produtores de grãos que pretendem causar menos impacto no meio ambiente (e ter mais economia no uso de insumos).
Trata-se dos cursos na área de Manejo Integrado de Pragas (MIP): MIP Soja, MIP Milho e MIP Trigo. O MIP prevê o uso racional de agroquímicos, utilizados somente quando as pragas atingem nível de dano econômico. Até lá, os próprios organismos presentes na lavoura, como outros insetos predadores, se encarregam de controlar estas pragas. Além de conduzir uma lavoura mais saudável e equilibrada, o usuário do MIP gasta menos com agroquímicos, uma vez que aplica somente quando precisa.
Todos os cursos do Sistema FAEP podem ser encontrados no site sistemafaep.org.br, na seção de cursos SENAR-PR.
(Com FAEP)