O proprietário rural Jean Paulo Rodolfo Ferreira levou um susto em 7 de julho – em pleno domingo. Ele estava em Adamantina, no interior de São Paulo, onde mora, quando recebeu a informação de que um grupo de 30 pessoas identificadas como indígenas tinha invadido a Fazenda Brilhante, em Terra Roxa, no Oeste do Paraná. A propriedade pertence à família Ferreira há décadas, com a posse e os impostos completamente regularizados. O episódio se converteu imediatamente em um pesadelo para os donos da terra, mas não se trata de um caso isolado. A Fazenda Brilhante é uma das nove propriedades rurais invadidas no Oeste, levando insegurança jurídica aos produtores rurais, prejuízos econômicos à região e riscos para o status sanitário estadual.
A família Ferreira adquiriu a Fazenda Brilhante em 1966, destinando os 260 hectares à criação de gado de corte. A atividade se manteve até 2015, quando o pai de Ferreira faleceu. Desde então, a família arrenda a área a um produtor rural, que passou a cultivar grãos. Com a invasão, os Ferreira se viram acuados, mas esperam por uma solução pacífica.
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“Eu vinha na fazenda a cada dois meses, desde a infância. Nunca vimos índios na região. Não havia mesmo”, diz Ferreira. “Receber a notícia da invasão foi chocante. Ver as pessoas invadindo e não poder fazer nada faz você se sentir impotente perante a situação. Nós prezamos pela Justiça, tanto que não apoiamos conflito”, completa.
Em meio à tensão, o produtor rural que arrenda as terras adiou o início do plantio. Com o impasse, o proprietário não sabe nem se o arrendatário vai permanecer na fazenda. Além dos prejuízos relacionados à própria produção, a família também vem arcando com custos elevados para manter advogados, na tentativa de retomar a propriedade.
“Fomos atingidos de toda forma: financeiramente, psicologicamente… Nossa família está toda em choque”, resume Ferreira. Ele também detalha a movimentação dos invasores: “Estamos tentando tomar conta do fundo da propriedade, para evitar a entrada de mais gente, mas não é fácil contornar essa situação. Eles já impediram nossa passagem por estrada municipal, atearam fogo em partes da propriedade e atiraram contra meu funcionário”.
O medo se alastra para fazendas vizinhas. Segundo o produtor rural Wagner Pimenta de Paula, que se dedica à bovinocultura e à produção de grãos, a onda de invasões na região Oeste provoca reflexos em todo o setor agropecuário. “É um problema de todos, não só de quem teve a terra invadida”, resume Pimenta de Paula, que também já teve problemas com invasores. “Roubaram 17 cabeças de gado e, quando pedi ajuda à PF, disseram que não podiam mexer com índio. Eles chegam destruindo tudo, ateiam fogo em reserva. A gente vê isso e se sente de mãos atadas”, lamenta.
Outro vizinho da Fazenda Brilhante, Osmar Joaquim Júnior também se dedica à produção rural: em propriedades que somam mais de 300 hectares, cultiva soja, milho, mandioca e café. Por causa das invasões, no entanto, o agricultor deixou de realizar investimentos e expansões que já tinha planejado. Abandonou o projeto de implantar aviários e tanques de tilápia.
“Desisti da ideia. Como começar um projeto com toda essa incerteza? Não dá para deixar material de construção no pátio porque é certeza que alguém vai mexer. Minha família está aqui desde os anos 1960 e nunca teve índio. Nosso sentimento é de injustiça”, diz.
Impactos
Levantamento realizado pelo Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP aponta que as áreas invadidas correspondem a 17,9% das áreas agricultáveis de Terra Roxa, 14,4% de Guaíra e 1,9% de Altônia. Somadas, os territórios invadidos respondem por 12,5% das terras destinadas a atividades agropecuárias nos três municípios, sendo seu mais importante pilar econômico.
Em Terra Roxa, por exemplo, a produção de soja e de milho movimentou, respectivamente, R$ 315 milhões e R$ 244 milhões em 2023. Também tiveram produção expressiva a avicultura de corte (R$ 179 milhões) e a piscicultura (R$ 96 milhões). Em Guaíra, a produção de soja bateu R$ 211 milhões, seguido por milho (R$ 172 milhões), ovos de galinha (R$ 109 milhões) e avicultura de corte (R$ 9,5 milhões).
O DTE do Sistema FAEP também estima que, se essas terras deixarem de produzir, o prejuízo pode chegar a R$ 261 milhões. A projeção leva em conta o Valor Bruto de Produção (VPB) Agropecuário de cada município e a dimensão das áreas invadidas em relação às terras agricultáveis. Só em Terra Roxa, se as propriedades invadidas forem retiradas dos produtores, vai se deixar de produzir o equivalente a R$ 173,2 milhões.
“É uma situação preocupante, pois sabemos da dificuldade diante do cenário. Não podemos compactuar que, em pleno 2024, estejamos passando por uma situação como essa. Ainda mais considerando a importância do setor agropecuário para a economia dos municípios e do Estado”, ressalta o presidente interino da entidade, Ágide Eduardo Meneguette.
Além disso, presidentes de sindicatos rurais dos municípios atingidos apontam que produtores têm manifestado receio em fazer novos investimentos e que chegam a ter dúvidas se vale a pena fazer o plantio da safra atual. Além disso, há relatos de desaquecimento da economia da região, em razão dos incidentes fundiários.
“Tudo está paralisado. Quem vai investir e se instalar em uma região com todos esses problemas e com toda essa insegurança jurídica? Sem contar a desvalorização das áreas rurais, dos loteamentos. Economicamente, parou a cidade”, ressalta Silvanir Rosset, presidente do Sindicato Rural de Guaíra.
“Houve depreciação nos valores dos imóveis rurais e também dos urbanos, por não ter segurança quanto à questão das terras”, reforça o presidente do Sindicato Rural de Terra Roxa, Fernando Volpato Marques. “Qual indústria vai querer estar em um município onde não tem segurança jurídica? Em vez de aumentar a população, a tendência é ter uma regressão, porque ninguém vai querer ficar em uma cidade sem perspectiva de desenvolvimento”, aponta.
O receio vai além. Marechal Cândido Rondon ainda não registrou invasões, mas os produtores rurais estão tensos, principalmente com a disseminação de informações não comprovadas de que haveria “sítios arqueológicos” localizados em propriedades locais. “Ao longo nos últimos anos, nós consideramos remota a possibilidade de invasões no município. Hoje, é possível que isso ocorra, aqui e em qualquer lugar na região Oeste”, diz Edio Chapla, presidente do Sindicato Rural de Marechal Cândido Rondon.
Em Cascavel, maior cidade do Oeste do Paraná, o clima também é de preocupação com uma possível escalada das invasões. “Sabemos que Terra Roxa e Guaíra são apenas a ponta do iceberg, todos temos que nos mobilizar para acabarmos com essa falta de segurança”, problematiza o presidente do Sindicato Rural de Cascavel, Paulo Orso. “Vejo com muita preocupação a consequência de uma fuga de investimentos na Região Oeste. Como um investidor vai sair de um polo seguro para vir fazer qualquer industrialização aqui, tendo risco de áreas serem invadidas e desapropriadas”, questiona.
Risco sanitário
Também há preocupação em relação aos aspectos sanitários. As maiores preocupações dizem respeito ao controle interestadual de máquinas agrícolas, à execução do Programa Nacional de Controle da Ferrugem Asiática da Soja e ao controle da praga Amaranthus palmeri – ou caruru palmeira. O Sistema FAEP tem atuado em consonância com a Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar) de forma preventiva, para manter o controle de pragas e doenças em lavouras do Estado. Tudo isso por meio de uma série de ações, que vão de práticas educativas a fiscalização.
“A execução dessas ações certamente seria prejudicada em áreas de ocupação indígena, que não contam com acompanhamento técnico adequado, especialmente as posicionadas em área de fronteira, mais suscetíveis para disseminação de pragas e doenças, exigindo atuação redobrada dos serviços de fiscalização estadual e federal”, destaca a nota técnica do DTE.
O setor produtivo também aponta preocupações em relação à sanidade animal. Em 2021, o Paraná conquistou o reconhecimento internacional de área livre de febre aftosa sem vacinação, resultado de ações realizadas ao longo de mais de 50 anos. A manutenção desse status sanitário depende de inúmeros controles auditáveis que demostram qualidade, rastreabilidade e segurança em todas as criações animais. Essa excelência reflete a magnitude da produção estadual: o Paraná é o maior produtor de frangos de corte e de tilápia e segundo maior produtor de suínos e de leite do país. A onda de invasões colocou o sistema de vigilância e de fiscalização da Adapar em alerta.
Segundo o chefe do Departamento de Saúde Animal do órgão estadual, Rafael Gonçalves Dias, equipes da agência foram às propriedades invadidas e deflagraram uma ação de fiscalização. Segundo o dirigente, não foram detectadas irregularidades, mas a Adapar deve intensificar a vigilância, fazendo vistorias periódicas nas áreas.
“Não há indícios de que houve entrada de animais. De qualquer forma, as propriedades estão e continuarão no nosso radar, com ações periódicas. A situação está controlada, com agentes fiscalizando”, afirma Dias. “De todo modo, uma situação como essa nunca é tranquila, principalmente porque envolve cidadãos que vêm de outros países. Esse trânsito de pessoas sempre traz um risco. É um ponto de atenção em que estamos focados”, aponta.
Setor produtivo cobra medidas
Com a ocorrência das invasões em julho, o Sistema FAEP elevou o tom, cobrando intervenção dos governos estadual e federal nos episódios. O presidente interino da entidade, Ágide Eduardo Meneguette, cobra ações enérgicas por parte do poder público.
“A passividade do poder público em controlar as invasões tem servido de incentivo para que novos grupos se formem. O Sistema FAEP pede ações imediatas dos governos estadual e federal para que a questão da invasão de terras no Paraná, principalmente na região Oeste, termine definitivamente. Caso nada seja feito, caminharemos para uma situação preocupante, com a escalada de invasões e, até mesmo, violência”, diz Meneguette.
Em 23 de julho, o Sistema FAEP participou de uma reunião promovida em Guaíra, em parceria com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e com sindicatos rurais da região. O encontro mobilizou mais de 150 agricultores e pecuaristas da região Oeste, e contou com as presenças de deputados estaduais e federais, como Sérgio Souza e Pedro Lupion, que preside a FPA. O clima entre os agricultores e pecuaristas é de cobrança para que o poder público tenha medidas efetivas para resolver a questão.
“Estamos discutindo essa situação desde 2008 e o Sistema FAEP sempre vem dando suporte jurídico. Essa ação pode trazer resultados para o Brasil inteiro”, observou Mar Sakashita, diretor do Sistema FAEP e presidente do Sindicato Rural de Mariluz.
“A nosso ver, não é possível permitir ou cogitar qualquer negociação enquanto houver propriedades invadidas. É necessário que essas áreas sejam restituídas aos produtores para que aí, eventualmente, se possa iniciar o processo de discussão de compra de terras para realocação de indígenas, de reassentamento de produtores. Isso depende dessa liberação das propriedades para se ter segurança jurídica”, destaca o advogado Gustavo Passarelli, que acompanha o caso a pedido do Sistema FAEP.
(Com FAEP)