As diretrizes técnicas para validadar a metodologia de certificação da soja de baixo carbono começam a se tornar realidade. A Embrapa e parceiros avançaram no tema, que além de conferir mais sustentabilidade à produção do grão, deve ajudar o Brasil a diversificar a exportação da commodity. Atualmente, cerca de 75% da oleaginosa vendida pelo país tem a China como destino. Essa dependência do gigante asiático é considerada ruim por analistas de mercado.
Agora, foi publicada a primeira versão do documento Diretrizes Técnicas para certificação Soja Baixo Carbono. O material contém as premissas para atestar a mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE) em sistemas de produção agrícola candidatos do Brasil. Essas premissas estão sendo usadas para subsidiar a coleta de dados em mais de 60 áreas agrícolas em cinco macrorregiões sojícolas, durante duas safras (2023/24 e 2024/25).
“A publicação das diretrizes de certificação nesta etapa é fundamental para validarmos cientificamente a metodologia de quantificação que está sendo desenvolvida pela Embrapa”, explica o coordenador do Comitê Gestor do Programa Soja Baixo Carbono (PSBC), Henrique Debiasi, pesquisador da Embrapa Soja (PR).
Debiasi enfatiza que essa é uma das maiores iniciativas setoriais brasileiras. Assim, ela visa agregar valor à soja produzida em sistemas que contribuem para a redução das emissões de GEE. O Programa estima que, ao se adotar as tecnologias sustentáveis descritas na publicação, o potencial de redução das emissões nos sistemas de produção com soja pode ser de, aproximadamente, 30%.
O pesquisador conta que o escopo do PSBC prevê a comparação dos sistemas de produção típicos (culturas agrícolas utilizadas e as práticas de produção adotadas) com as áreas candidatas a receber o selo Soja Baixo Carbono (SBC), ou seja, que adotam soluções mitigadoras.
“O objetivo é tornar tangíveis aspectos qualitativos e quantitativos do grão, a partir de tecnologias e práticas agrícolas que reduzam a intensidade de emissão de GEE”, afirma. “O conceito está pautado na mensuração dos benefícios e na certificação voluntária das práticas de produção que comprovadamente resultem em menor emissão de GEE”.
Todas as ações de pesquisa, desenvolvimento e inovação que visam estabelecer, validar e operacionalizar o protocolo de certificação SBC são agrupadas e coordenadas dentro do PSBC.
A publicação das Diretrizes técnicas para certificação Soja Baixo Carbono é o primeiro passo para validação da metodologia que está sendo desenvolvida pela Embrapa. A ideia é que ao adotar as boas práticas agrícolas e seguir os requisitos preconizados pelo PSBC, o produtor rural submeterá seu sistema de produção à aferição da certificadora credenciada. Se obtido, o selo SBC acompanhará a comercialização da soja, um diferencial competitivo valorizado no mercado.
Diretrizes técnicas
A estruturação do Programa está pautada em duas diretrizes técnicas: adequação do imóvel rural e adequação do sistema de produção.
“Cada diretriz possui critérios de elegibilidade, que devem ser atendidos para que a área candidata possa receber o selo SBC. Esse atendimento será mensurado por indicadores de alcance”, diz Debiasi. Veja os detalhes na tabela abaixo:
O pesquisador Marco Antonio Nogueira explica que os critérios de elegibilidade para a adequação do imóvel rural estão relacionados a questões de legalização, tais como:
- Imóvel rural sem autuações ou embargos ambientais;
- Proprietário sem condenação por trabalho infantil ou análogo à escravidão;
- Imóvel rural com Cadastro Ambiental Rural (CAR) ativo e sem pendências trabalhistas;
- Eliminação de queimadas deliberadas e atendimento a normatizações, a exemplo do respeito ao vazio sanitário (medida de manejo da ferrugem asiática da soja) e ao calendário de semeadura da oleaginosa.
Quanto à adequação do sistema de produção, Nogueira conta que os critérios de elegibilidade estão centrados na adoção de práticas agrícolas obrigatórias e das recomendáveis, além da melhoria do balanço de carbono na área de produção.
“Criamos o Índice de Adoção de Práticas Agrícolas Sustentáveis (Iapas), baseado em indicadores de boas práticas agrícolas que contribuem para a mitigação de GEE, complementares às Práticas Agrícolas Obrigatórias. O Iapas pode assumir valores entre 0 e 10 e reflete o grau de adoção de práticas recomendáveis”, destaca o pesquisador.
Segundo ele, para receber o selo SBC, o Iapas deve atingir um valor mínimo de 7 e, ao longo do tempo, apresentar tendência de aumento para indicar a melhoria contínua do sistema.
Práticas a serem adotadas
As práticas obrigatórias envolvem a adoção plena do Sistema Plantio Direto (SPD), boas recomendações de coinoculação, adubação e correção do solo, assim como o uso de defensivos agrícolas tecnicamente prescritos. Nogueira também descreve que há algumas práticas complementares que precisam ser observadas para o atingimento do valor mínimo do Iapas. São elas:
- Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc);
- Manejo integrado de pragas (MIP);
- Manejo integrado de doenças (MID)
- Manejo integrado de plantas daninhas (MIPD);
- Práticas conservacionistas de manejo do solo e do sistema, complementares ao SPD;
- Uso de sementes certificadas;
- Integração lavoura-pecuária-floresta;
- Adoção de ferramentas digitais e georreferenciadas para o manejo sítio-específico;
- Realização de análise físicas e biológicas para monitorar a qualidade do solo.
“São técnicas que os produtores podem usar conforme as possibilidades de suas condições locais, mas, apesar de não serem compulsórias, quanto maior e melhor for a adoção dessas práticas, melhores serão os resultados no cômputo das emissões evitadas de carbono na atmosfera e da sua fixação ao solo por tonelada de grão produzida”, diz o pesquisador.
Com relação à melhoria do Balanço das Emissões, são indicadores de alcance: a Intensidade das Emissões de GEE (IEGEE) do sistema de produção candidato inferior ao sistema típico de produção da região, e a compensação das emissões relativas à Mudança de Uso da Terra.
“Para estar apta ao selo SBC, a área candidata deve, além de atender aos critérios de elegibilidade qualitativos (práticas agrícolas obrigatórias e complementares), apresentar estoques de carbono orgânico total do solo (COT) superiores e valores de IEGEE inferiores ao sistema de produção típico, comprovando que o sistema candidato ao selo de fato mitiga as emissões de GEE, em relação ao sistema típico da região”, detalha a pesquisadora da Embrapa, Roberta Carnevalli.
Próximos passos
O foco do Programa SBC passa agora a estabelecer e validar o protocolo de certificação. “O protocolo será composto, em essência, por um memorial descritivo, por uma lista de verificação de conformidades e anexos que detalham as métricas e os critérios envolvidos na atribuição do selo SBC. Em resumo, as diretrizes indicam o que medir e avaliar, ao passo que o protocolo detalha o como fazer”, aponta Roberta.
Com isso, a partir da safra 2023/24, o protocolo passou a ser validado em mais de 60 áreas agrícolas (unidades-piloto), distribuídas em todas as regiões produtoras de soja no território brasileiro.
As unidades-piloto foram indicadas pelas empresas que apoiam o PSBC, que priorizaram áreas que adotam um sistema de produção de soja com potencial para a obtenção do selo SBC já no curto-prazo.
Segundo Roberta, essa etapa visa também escalar a iniciativa, de forma a identificar sistemas de produção aptos à certificação, já por ocasião do lançamento do protocolo para o mercado, previsto para meados de 2026.
“O processo de validação envolve ainda a discussão do protocolo com o setor produtivo, com organismos internacionais e com representantes do mercado do grão, para que a metodologia proposta reflita a realidade do produtor brasileiro e, ao mesmo tempo, seja aceita e respeitada internacionalmente”, afirma a pesquisadora.
Adequado às condições brasileiras
O pesquisador da Embrapa Marcelo Hirakuri salienta que o grande diferencial do PSBC é que está fundamentado nas condições edafoclimáticas das diferentes macrorregiões sojícolas do país e o cálculo da intensidade de emissão de GEE adota parâmetros condizentes com os ecossistemas nacionais e as práticas agrícolas adotadas.
“Isso evita o viés de se adotar padrões e regulações, cujas premissas são fundamentadas em regiões com uma realidade diferente à observada para o Brasil”.
Outro aspecto que está sendo discutido é a criação de protocolos de certificação “baixo carbono” para outras culturas e atividades que compõem o sistema de produção de soja, conduzidos por unidades da Embrapa.
Como é o selo Soja de Baixo Carbono?
O selo Soja Baixo Carbono baseia-se em metodologia MRV (mensurável, reportável e verificável). “A sua adoção é totalmente voluntária e poderá ser utilizada por produtores dispostos a colaborar em iniciativas verdes que podem ser qualitativa e quantitativamente comprovadas”, declara o chefe-geral da Embrapa Soja, Alexandre Nepomuceno.
Segundo ele, o PSBC pretende reconhecer a soja oriunda de iniciativas ambientalmente sustentáveis e, consequentemente, abrir possibilidades de compensações financeiras, seja agregando valor ao produto comercializado e até mesmo a obtenção de juros mais baixos e prêmios mais interessantes em seguros agrícolas, iniciativas já operantes no mercado.
“Os padrões de sustentabilidade, conhecidos como normas voluntárias de sustentabilidade (NVS), têm ampliado sua importância em todo mundo, especialmente no setor agropecuário, tornando-se um importante elemento de agregação de valor e de diferenciação da agricultura brasileira”, afirma a chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Soja, Carina Rufino.
De acordo com ela, com o PSBC, o Brasil se posicionará fortemente no agronegócio mundial, com uma iniciativa de coalização setorial que mede e demonstra com critérios científicos sua contribuição para uma agricultura mais sustentável e adaptada para enfrentar as mudanças climáticas.