O momento da ordenha na propriedade leiteira é um dos pontos mais importantes do manejo. É durante a rotina de ordenha que são evidenciados se os processos realizados na fazenda estão adequados, como manejo alimentar, manejo do ambiente das vacas e treinamento de colaboradores, além disso é nesse momento que obtemos o produto que gera lucro na propriedade: o leite.
No entanto, esse momento também é extremamente importante, pois durante a ordenha temos maior risco de exposição e transmissão dos agentes causadores de mastite, sendo também um momento importante para controle da contaminação microbiana do leite.
Nesse texto vamos abordar quais estratégias podemos adotar para avaliar a rotina de ordenha da fazenda, trazendo pontos específicos como a sujidade na ponta do teto, sujidade de úbere, avaliação de filtro de leite, higiene das teteira.
Além disso, também trataremos pontos importantes de avaliação dos procedimentos de ordenha, como a realização do teste da caneca de fundo preto, aplicação de pré e pós-dipping.
Aspectos legais da qualidade do leite
As instruções normativas (IN) 76 e 77 definem que o leite cru refrigerado de tanque individual ou de uso comunitário deve apresentar médias geométricas trimestrais de Contagem Padrão em Placas (CPP) ou Contagem Bacteriana Total (CBT) de no máximo 300.000 UFC/mL de leite.
Nessa mesma instrução normativa temos que a Contagem de Células Somáticas (CCS) deve apresentar médias geométricas trimestrais de no máximo 500.000 CS/ml de leite. No entanto, para sabermos que o leite é de boa qualidade e que temos um bom plano de controle de mastite e qualidade do leite na propriedade, devemos ter como referência uma CBT menor que 10 mil UFC/mL e CCS menor que 200 mil células/mL.
Muitas fazendas enfrentam desafios quanto ao controle e redução da CCS e CBT do leite, e consequentemente têm maiores desafios na produtividade e obtenção de lucro sobre o leite que produzem.
Avaliação da sujidade de ponta de teto
A ponta do teto é um ponto de atenção importante durante a secagem dos tetos, nesse local temos um acúmulo maior de sujidade, e por meio da realização de escores conseguimos avaliar a eficiência de desinfecção e da secagem dos tetos durante o manejo de pré-ordenha.
Para realizar essa avaliação, devemos aguardar a realização do pré-dipping e secagem dos tetos. Após esses procedimentos, com auxílio de uma gaze ou papel toalha branco esfregamos delicadamente na ponta do teto da vaca e avaliamos a sujidade que encontramos no papel toalha ou gaze.
Caso após realizarmos esse escore seja observado que mais de 20% dos tetos avaliados apresentam pontuação entre 3 – 4 é necessário realizar ajustes na secagem para que seja feita de forma adequada e com mais rigor, com esse resultado podemos também adotar outras medidas como repetir o pré-dipping e a secagem dos tetos. É crucial que seja utilizado uma ou duas folhas de papel por teto, sem utilizar o mesmo papel para tetos diferentes.
Adaptado de Westfalia Surge.
Imagem do papel toalha após a realização do teste para avaliação da sujidade da ponta de teto, conferindo a esse teto um escore 4. Foto: Maria Fernanda Ferreira Faria
Avaliação de sujidade de úbere
O escore de sujidade do úbere indica o desafio ambiental enfrentado pelas vacas e, consequentemente, a ocorrência de mastite. A condição de limpeza do úbere relaciona-se com o manejo de camas, da presença de barro e matéria orgânica no ambiente de permanência das vacas e consequentemente à exposição a agentes causadores de mastite.
A presença de vacas chegando sujas à ordenha são indicativos que outros fatores podem ser melhorados, como o local que as vacas caminham até a chegada na sala de ordenha, a ventilação, dimensão das camas ou lotes e a limpeza dos corredores.
Vacas com escore 2 e 3 de sujidade do úbere têm 1,5 vezes mais chances de apresentarem crescimento dos principais patógenos causadores de mastite em resultados de culturas microbiológicas. Além disso, o aumento de um ponto no escore de sujidade do rebanho, resultou em um aumento da Contagem de Células Somáticas (CCS) de tanque de leite de ordem de 50.000 CS/ml.
Adaptado de Ruegg, 2002
Avaliação do filtro de leite
Quadro de avaliação de escore de filtro. Foto: Acervo Rehagro
A avaliação do filtro do leite deve ser feita após todas as ordenhas, buscamos verificar a presença de grumos e sujeira. A presença de grumos, é um indicativo de falhas no processo de identificação de vacas com mastite no rebanho, por isso, devemos reforçar a necessidade de maior atenção na realização do teste da caneca, realizar a devida identificação desses animais e separá-los.
Caso seja observado a presença de sujidade no filtro, é um indicativo de falhas na limpeza do ambiente e dos tetos das vacas. Por isso, devemos checar a limpeza do ambiente, como está sendo feita a limpeza dos tetos. Junto a isso é importante fazer a conferência da limpeza das tubulações da linha de vácuo, linha de limpeza e linha do leite, para verificar a presença de acúmulo de sujidades e também se a limpeza dos equipamentos está sendo eficiente.
Em fazendas que utilizam o sistema balde ao pé ou ordenha manual, o leite deve ser coado antes de ser colocado no tanque de resfriamento com uso de um coador. Podemos utilizar a peneira do coador para realizar essa avaliação, tendo os mesmos cuidados que no filtro do leite, caso seja observado a presença de sujidade e grumos.
Higiene de teteiras
A limpeza das teteiras é um ponto importante na avaliação da limpeza dos equipamentos, por isso, devemos implementar uma checagem diária na rotina dos ordenhadores da fazenda. Em especial, devemos verificar a limpeza interna passando o dedo na parte interna das teteiras do conjunto.
Além disso, é essencial fazer a verificação das mangueiras e borrachas do conjunto, pois a presença de rasgos ou furos nas mesmas pode comprometer o vácuo e consequentemente a ordenha da vaca.
A presença de mangueiras e borrachas rasgadas ou furadas podem afetar a qualidade da limpeza do equipamento. Caso seja detectado alguma falha é importante realizar a troca do material antes da próxima ordenha.
Teteira com a limpeza ineficiente. Fonte: Maria Fernanda Faria
Teteira com a borracha danificada. Fonte: Gabriela Magioni
Deslizamento de teteiras
O deslizamento de teteiras pode ser um indicativo de que as vacas estão estressadas antes da ordenha, o que contribui em aumentar a ocorrência do deslizamento devido as chutes e agitação dos animais, por isso, a condução e a preparação das vacas devem ser feitas de forma tranquila, sem manejos aversivos.
Além disso, o deslizamento pode indicar falhas no alinhamento das unidades de ordenha, que ficam mais susceptíveis a quedas. O nível de vácuo também tem relação com essa falha, quando o equipamento de ordenha apresenta problemas e observamos a presença de baixo vácuo, além da ordenha mais lenta observamos mais episódios de deslizamento e queda das teteiras, pois o vácuo baixo faz com que as teteiras não tenham força para realizar seu funcionamento adequado e permaneçam no teto.
Essa situação pode provocar o refluxo do leite no úbere das vacas, aumentando as chances de mastite, de lesões na ponta de teto e a reduzindo a estimulação correta da massagem do teto e consequente ordenha da vaca, por isso, o animal pode não apresentar o seu potencial produtivo máximo em episódios de deslizamento durante a ordenha.
Imagem de uma teteira em deslizamento. Foto: Maria Fernanda Ferreira Faria
Avaliação dos procedimentos de ordenha
Avaliação do teste da caneca de fundo preto
O teste da caneca de fundo preto é um passo fundamental na rotina de ordenha para realizarmos o diagnóstico da mastite clínica em animais do rebanho. Além disso, esse procedimento possibilita a identificação e descarte do leite com maior contaminação bacteriana e concomitantemente estimula a descida do leite.
Esse procedimento deve ser feito com muita atenção por parte dos ordenhadores, para que grumos ou alterações no leite não passem despercebidas. É necessário desprezar os três primeiros jatos de leite de cada quarto mamário e observar na caneca a presença de alterações como presença de sangue, grumos ou outras alterações no leite.
É muito importante que, após a realização do teste da caneca na vaca, o utensílio seja limpo para evitar a avaliação incorreta dos próximos animais pela presença de resíduos de leite de outras vacas.
Imagem de uma caneca de fundo preto utilizada para avaliação visual do leite nos primeiros jatos. Foto: Maria Fernanda Ferreira Faria
Avaliação do pré-dipping
A aplicação de solução desinfetante pré-ordenha (pré-dipping) é uma forma de reduzir a contaminação dos tetos com agentes causadores de mastite. Muitas vezes, devido ao desafio ambiental, as vacas chegam à sala de ordenha com a presença de sujidade na parte externa dos tetos. Para que esse procedimento seja eficaz na desinfecção é muito importante avaliar a forma de aplicação, a concentração do produto utilizado e o armazenamento correto do mesmo.
Quanto a forma de aplicação é muito importante que o produto cubra todo o teto do animal e que seja utilizado para aplicação um copo sem retorno visando evitar a contaminação do produto, ademais a solução desinfetante deve agir por pelo menos 30 segundos em contato com o teto. Junto a esse ponto de atenção devemos garantir que o produto seja eficiente no processo de assepsia.
Os princípios ativos mais utilizados são o iodo, clorexidina e cloro, podendo ser produtos líquidos ou em espuma, é importante seguir as instruções de uso da bula do produto para garantir a concentração adequada e o armazenamento correto, além disso devemos avaliar visualmente a aplicação do produto no teto.
Avaliação do pós-dipping
O uso de desinfetante após a ordenha é um passo importante para reduzir a transmissão de patógenos contagiosos causadores de mastite. Esse procedimento visa reduzir a contaminação da pele dos tetos, formando uma camada protetora.
Esse manejo deve ser realizado após a retirada do conjunto de ordenha, toda superfície do teto deve ser imersa na solução, principalmente a parte em contato com a teteira, é importante que o produto esteja em um copo sem retorno.
Podemos avaliar a aplicação do pós-dipping na propriedade realizando uma avaliação visual da presença do produto no teto das vacas como também realizar o teste do papel toalha.
Após a aplicação do produto no teto, devemos cobrir a superfície com um papel toalha descartável, o produto é transferido para o papel e conseguimos avaliar a proporção e uniformidade de cobertura do produto no teto, que deve ser pelo menos 80 – 90% de toda superfície do teto.
Imagem demonstrando a realização do teste do papel toalha para avaliar a correta aplicação do produto. Fonte: Cotta, Leonardo et al. 2020.
Imagens demonstrando a incorreta aplicação do pós-dipping, onde o mesmo não é aplicado cobrindo toda superfície do teto. Fotos: Maria Fernanda Ferreira Faria
Considerações finais
Uma rotina de ordenha eficiente depende de um alinhamento adequado entre a saúde das vacas, bons manejos das instalações e equipamento de ordenha e capacitação dos ordenhadores.
É muito importante implementar protocolos escritos nas fazendas, Procedimentos Operacionais Padrão (POP), para facilitar o entendimento dos processos da rotina de ordenha e ser uma forma de consulta para os funcionários no momento de dúvidas e também para garantir a padronização das atividades e evitar falhas que podem ocasionar em maiores casos de mastite, aumento de CCS e CBT.
A adoção de pontos de avaliação da rotina de ordenha de forma mensal, semanal e diário, de acordo com a necessidade, é uma forma de garantir que os procedimentos e processos estão alinhados e sendo realizados adequadamente.
Por isso, conhecer os modos de avaliação apresentados nesse texto, como realizá-los e o objetivo de cada um é muito importante para que sua implementação na fazenda permita a construção de dados e informações que promovam o aprimoramento dos processos e consequentemente a produção de um leite de melhor qualidade.
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