Cientistas do estado de São Paulo se dedicam a pesquisas que buscam adaptar o agronegócio paulista às mudanças climáticas, incorporando uma série de transformações tecnológicas no campo.
“A agricultura depende do clima e a questão que fica no ar é: como será daqui algum tempo?”, indaga Heitor Cantarella, pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), instituição de pesquisa ligada à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
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O governo paulista, por meio do IAC, atua no desenvolvimento de pesquisas que buscam minimizar o impacto agrícola em eventos climáticos extremos como as altas temperaturas e a seca.
Melhoramento genético
Uma das principais frentes de atuação é o desenvolvimento de variedades capazes de sobreviver em ambientes adversos, como o baixo nível de chuvas ou as altas temperaturas.
“Nós temos feijões, por exemplo, com ciclo mais curto e adaptados para altas temperaturas. Também descobrimos variedades de cana-de-açúcar que são muito tolerantes à seca, que é um dos problemas que teremos. Precisamos nos antecipar e criar variedades que vão ser mais resilientes nesse contexto de mudança climática”, explica Cantarella.
Outro exemplo são as variedades de cana do IAC testadas na região do Golfo do México, onde a sensação térmica pode se aproximar dos 60°C.
“Há um grupo com três usinas no México que nos apoia. Decidimos testar nossas plantas ali e ver quais subsistem. Tem planta que nem fotossíntese consegue fazer direito nessas condições”, conta o pesquisador Marcos Landell, diretor-geral do IAC e líder do Programa Cana da instituição.
Em 2022, o IAC lançou ao mercado, por meio do Programa Cana, cinco novas variedades de cana-de-açúcar. As plantas apresentam produtividade até 27% maior que a variedade padrão observada nos estudos. A IACSP02-1064, por exemplo, além da alta produtividade, pode ser colhida por um longo período de safra e conta com uma estabilidade capaz de se adaptar em diversas regiões canavieiras do Brasil e em diferentes solos. “Em regiões com chuvas mais irregulares, mantém-se competitiva quando a alocamos em solos de maior potencial produtivo”, afirma Landell.
Os cientistas do Instituto Agronômico também se utilizam da biotecnologia para solucionar problemas causados pela seca e os extremos de temperatura no cultivo de cana, como a descoberta de uma diversidade de genes capazes de conferir tolerância à seca. Com isso, plantas transgênicas estão sendo obtidas e avaliadas visando seleção com melhor desempenho nessas condições.
Estudos de solo
O estudo de manejo e melhoramento nutritivo do solo, também realizado pelo IAC, é capaz de tornar os ambientes propícios a culturas que, sem a pesquisa, não prosperariam em determinadas condições. Esse é um dos fatores que contribuíram, por exemplo, para a abertura do Cerrado no centro-oeste brasileiro à produção de grãos.
As variedades de soja produzidas na região também foram produzidas no IAC, indicando a capacidade de, por meio de estudos, adaptar setores importantes do agronegócio a novos ambientes.
Ainda nesse sentido, volumes de chuva acima da média podem elevar a umidade dos solos e prejudicar a produção de culturas como o café. Essa condição de umidade indica maior necessidade de tratamentos fitossanitários, com a utilização de produtos eficazes contra doenças que atingem as plantas.
Produção indoor de alimentos
Efeitos das mudanças climáticas, como a crescente extensão geográfica de terras secas, agravam o cenário de redução de terras aptas para o plantio. Pensando em alternativas para a produção de alimentos, o IAC também investe na pesquisa sobre os chamados sistemas protegidos – ou indoor.
Neste modelo, as plantas são mantidas em um ambiente fechado, com luz artificial, temperatura e fornecimento de água controlados. Assim, a cultura fica menos suscetível às adversidades climáticas.
O cultivo indoor em maior escala traz, em relação ao sistema convencional, vantagens como maior produtividade, redução do uso de água e menos perdas pós-colheita.
Com isso, a aposta nesta modalidade de cultivo torna-se importante para melhorar a sustentabilidade de alguns sistemas que dependem do uso eficiente de energia, água e fertilizantes.
Para promover esse debate, o IAC realiza desde 2019 um fórum especial de discussão sobre o tema. As equipes ainda promovem estudos no laboratório de cultivo vertical indoor da instituição para a produção de alimentos como girassol, rabanete, repolhos, tomates e outras mudas. A iniciativa envolve a participação de parceiros públicos e privados.
Climatologia agrícola
O estudo da relação entre planta e ambiente se torna fundamental uma vez que eventos como secas, ondas de calor e geadas agronômicas podem gerar quebras de safras e afetar não só a região de ocorrência, mas também as comunidades que importam esses produtos agrícolas. O estado de São Paulo é um dos líderes mundiais na produção de cana-de-açúcar e laranja, por exemplo, e os impactos nessas culturas podem ter um efeito cascata.
Para atuar na área de climatologia agrícola, o Instituto Agronômico possui estações meteorológicas espalhadas em diferentes regiões do estado. “O IAC também é precursor na atividade de pesquisa na área de clima e gera uma série de modelos importantes que nos ajudam na produção de alimentos. Eles possibilitam um planejamento para cada região”, afirma Marcos Landell.
O Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Biossistemas Agrícolas e Pós-colheita da instituição realiza há décadas descrições das mudanças climáticas no estado de São Paulo. Isso possibilitou que se detectasse, de forma pioneira, a elevação da temperatura do ar no estado.
As ações de climatologia agrícola do IAC estão presentes em todas as etapas da produção, da escolha da área e da espécie a ser cultivada à definição da época de colheita.
Irrigação
Os pesquisadores do IAC também ressaltam a importância da pesquisa para o aprimoramento dos modelos de irrigação em diferentes culturas. Isso vale especialmente para aquelas mais perenes e que permanecem em plantio nos períodos de seca, como laranja e cana. Com as alterações no regime de chuvas causadas pelas mudanças climáticas, torna-se cada vez mais necessário um uso racional da irrigação.
“Pelo histórico de chuvas e temperatura no estado de São Paulo, sabemos as regiões e as culturas que podem sofrer por demanda de água. Tem várias maneiras de se medir o estresse hídrico da planta, com drones, por exemplo. São técnicas novas. Às vezes, uma pequena quantidade de água que é colocada em um determinado período já faz uma grande diferença na produtividade”, afirma Heitor Cantarella.
O pesquisador afirma que o bom uso dos recursos hídricos se torna imperativo no atual cenário e a irrigação no campo é parte importante desse processo.
“São Paulo tem uma alta densidade populacional. Se tiver falta de água em alguma região, a prioridade é para consumo humano. Então, a água tem que ser muito bem usada, com sistemas de irrigação que consumam menos, tenham menos perda de água e sejam usados de maneira mais efetiva. Isso é uma linha de pesquisa importantíssima no estado de São Paulo”, complementa Cantarella.