Uma vacina capaz de ajudar o criador de caprinos e ovinos a controlar a verminose, principal problema sanitário desses rebanhos no Brasil, foi validada pela Embrapa em animais da região do Nordeste e apresentou um nível de eficácia entre 80% e 90% nos ovinos, e entre 60% e 70% nos caprinos. A vacina, desenvolvida por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Moredun (Escócia), é uma medida preventiva e não impede a infecção, mas aumenta a resposta do animal contra o verme hematófago (que se alimenta de sangue) H. contortus.
Marcel Teixeira , médico veterinário e pesquisador da Embrapa Caprinos e Ovinos (CE) responsável pelo trabalho de validação da vacina, diz que ela não é capaz de promover a erradicação do parasito. “Na verdade, procuramos reduzir a carga parasitária e o impacto da doença a um ponto em que os animais consigam produzir, sem perdas significativas ou mortalidade”, explica.
O pesquisador conta que o H. contortus é um problema sério, o parasito se alimenta exclusivamente do sangue e provoca anemia e alta mortalidade, impactando economicamente os sistemas de produção. A forma mais comum de controlar o problema é com vermífugos. Mas, em virtude da utilização contínua e muitas vezes de forma incorreta, os vermes resistentes são selecionados a cada tratamento, tornando cada vez menor a eficácia das disponíveis. “Com a vacina não temos esse problema, pois o verme não desenvolve resistência contra ela”, explica. Outra vantagem é que a vacinação é uma medida limpa, não deixa resíduos na carne ou no leite, por isso não requer período de carência, ou seja, o produtor não precisa aguardar um tempo para abater o animal ou descartar o leite após a aplicação.
Foto: Igor Magalhães
Eficácia e custos da vacina
O trabalho de validação da vacina contra o verme H. contortus foi feito, inicialmente, em escala experimental nos rebanhos da Embrapa Caprinos e Ovinos, em Sobral, Ceará. Depois, a equipe ampliou o experimento para rebanhos em outras propriedades do Nordeste, principalmente no estado da Bahia.
Os resultados indicaram que a resposta dos animais à vacina varia entre as espécies e, na mesma espécie, muda de acordo com a raça. Os ovinos responderam melhor que os caprinos. E em algumas raças ovinas, como a Santa Inês, a eficácia da vacina é maior. O protocolo utilizado no semiárido foi de três doses de pré-imunização, com intervalo de 21 dias, e uma dose de reforço após seis semanas, em animais naturalmente infectados.
A vacina quer algumas condições para funcionar bem. Ela precisa ser muito bem aplicada, armazenada em refrigeração e necessita de doses de reforço. O custo do medicamento hoje, sem considerar taxas de importação, é de 50 centavos de dólar cada dose, o que equivale ao preço de um vermífugo de alto custo no Brasil. “Uma grande desvantagem em relação a outros métodos seria o custo, que acaba sendo mais elevado, mas é compensado quando se pensa na ausência de descarte da produção de leite e carne, que no caso das drogas é necessário”, avalia Teixeira.
Rony Gleidson dos Santos é criador de ovinos de corte no município de Pintadas (BA) e participou do experimento de validação da vacina a campo. Ele explicou que costumava tratar rebanhos com vermífugos. “Com essa vacina que a Embrapa forneceu aqui foi bem melhor, com muita incidência de vermes. Tenho interesse em usar a vacina quando ela estiver disponível”, informa. Teixeira observa que a prática normalmente seguida pelos criadores é incorreta, por variar os vermífugos e levar à resistência dos parasitas a todas as drogas em uso.
As vantagens da vacina já foram comprovadas; o próximo passo é a realização de estudos de maior duração e extensão em diferentes regiões, para fins de registro no Ministério da Agricultura e Pecuária ( Mapa ), órgão que autoriza sua comercialização, para iniciar o processo de importação e vendas. “Existe um trânsito inicial e um interesse do fabricante, da Embrapa e da cadeia produtiva. Já há um movimento para trazer essa vacina para o Brasil e a Embrapa está auxiliando nesse processo”, afirma o pesquisador.
Dieta adequada beneficia animais com verminose
Uma nutrição adequada contribui para a melhoria da resiliência dos rebanhos às infecções parasitárias, principalmente em relação ao Haemonchus contortus . O médico veterinário e pesquisador da Embrapa Marcos Cláudio Pinheiro , que atua principalmente na nutrição de ruminantes, explica que a ação do sistema imunológico dos animais está muito relacionada às proteínas. “Na medida em que forneça quantidades adequadas de proteína que atendam às suas exigências nutricionais, consequentemente, há uma melhoria do sistema imunológico e da capacidade desses animais de alcançar níveis adequados de produção, mesmo estando infectados.”
Pinheiro e sua equipe desenvolveram dietas ajustadas para fornecer um incremento de proteína metabolizável, um tipo de proteína especializada, que é efetivamente absorvida pelos animais. “Com essas configurações na dieta, atendendo às critérios nutricionais dos animais, a gente pode a um nível adequado de proteína metabolizável que garanta uma absorção adequada de proteína, contribuindo para esses processos imunológicos de defesa do animal”, disse o pesquisador. Assim, os animais alimentados corretamente, ainda que sejam infectados por verminoses, serão mais resilientes
Paratec
A Embrapa Caprinos e Ovinos desenvolveu o Paratec, um plano nacional de combate às parasitoses animais, que abrange um conjunto de quatro programas direcionados ao controle de vermes, moscas, carrapatos, sarnas e piolhos.
O objetivo é que cada programa Paratec contemple estratégias de manejo por região, com informações planejadas para ajudar no gerenciamento das principais parasitoses dos animais domésticos. Por isso, a Paratec conta com a participação de pesquisadores e veterinários de todo o Brasil.
No momento, está disponível o Paratec Vermes, que disponibiliza conhecimentos e técnicas para gerenciamento de verminose e resistência às drogas. As recomendações são exigidas para produtores rurais, veterinários, zootecnistas, técnicos em geral e consultores de venda de produtos veterinários. A vacina contra a verminose é mais uma estratégia para cumprir as recomendações do programa.
Impactos econômicos
A ocorrência de verminoses é maior, segundo os pesquisadores, em locais quentes e úmidos, onde causa elevadas perdas econômicas aos criadores, principalmente em virtude da alta taxa de mortalidade que provoca nos rebanhos. Os custos anuais com tratamento apenas de animais afetados por Haemonchus contortus foram recentemente estimados em US$ 26 milhões, US$ 46 milhões e US$ 103 milhões para o Quênia, África do Sul e Índia, respectivamente. No entanto, estudos mais recentes demonstraram que a parasita está presente mesmo em regiões mais frias, como o norte da Europa.
As perdas de animais variam muito entre regiões, anos e estações, dependendo das condições ambientais e da eficácia de medidas de controle. O impacto econômico imediato é maior quando muitos animais são atendidos na mesma área e onde há grande incidência de enfermidade. Mas, sistemas de produção com rebanhos criados de forma extensiva (a pasto) podem ser proporcionalmente mais afetados na função da má nutrição dos animais, do acesso limitado a anti-helmínticos, além da resistência a esses medicamentos.