O calor acima da média neste verão e o excesso de chuva registrado em Santa Catarina nos últimos meses não alterou a produção de hortaliças na propriedade dos irmãos Alexandre Luiz e Almir Francisco Hoffmann, em Angelina, na Grande Florianópolis. Eles produzem couve-flor, moranga e chuchu em uma área de 15 hectares, localizada em uma região com relevo acidentado e áreas de cultivo com bastante declividade, que ficaram intactas apesar do grande volume de água, bem como não foram prejudicadas pelo calor das últimas semanas.
O responsável por trazer essa tranquilidade para os agricultores é o Sistema Plantio Direto de Hortaliças (SPDH), que prevê uma série de princípios, como a cobertura permanente com revolvimento apenas no berço de plantio, prática que promove a proteção e a conservação permanente do solo. “Os efeitos das altas temperaturas não afetam os cultivos exatamente porque o solo está coberto. O SPDH reduz em mais de 10 graus Celsius a temperatura do solo e melhora o ambiente”, afirma o coordenador do programa de Olericultura na Epagri, Darlan Marchesi.
“Durante as chuvas intensas, alguns pontos da lavoura ficaram mais molhados, mas a água foi absorvida aos poucos e não tivemos estragos”, conta o agricultor Alexandre, apesar da propriedade estar em um município que foi muito prejudicado no Estado. Angelina chegou a registrar 310mm de chuva em um período de quatro dias durante outubro de 2023, um dos meses em que Santa Catarina registrou 400% a mais de precipitação do que o previsto para o período.
Mas nem sempre foi assim. Por muitos anos a propriedade, que está na família desde a geração de seu avô, sofreu com perdas nas lavouras provocadas por chuvas intensas, além do ataque de pragas e doenças por conta das condições climáticas. Ele conta que o ano mais marcante foi em 2010, quando a chuva “lavou a lavoura”, como ele descreve a grande erosão provocada, que carregou a terra para a estrada, deixando a via intransitável. Foi aí que procurou a Epagri em busca de uma solução, que prontamente sugeriu uma mudança radical no preparo do solo preconizado pelo SPDH.
A transição para o SPDH
O extensionista rural do município, Carlos Koerich, conta que Alexandre sabia que precisava mudar e chegou na Epagri ansioso e preocupado com as perdas de solo, como também com os gastos que elevavam o custo de produção. O primeiro passo foi saber como estavam as características químicas do solo. Para isso o agricultor fez uma coleta de estratificada, para ter noção da fertilidade e do pH em diferentes pontos da lavoura.
“Essas informações eram necessárias para saber quais as intervenções a fazer na área. Após a correção desse solo, a próxima etapa foi começar a adubação verde, tanto de verão como de inverno. Alexandre é um produtor que investe muito nisso, pois tem a preocupação em deixar o solo coberto 365 dias por ano”, ressalta o extensionista. No verão, as espécies cultivadas pelo agricultor de Angelina são o feijão mucuna, o milheto e o capim papuã; já no inverno ele planta aveia, azevém e ervilhaca.
A utilização de plantas de cobertura (ou adubos verdes) para formar biomassa e promover a proteção permanente do solo com palhada é uma das principais práticas previstas no SPDH. Além dessas plantas, são mantidos na área de plantio os restos vegetais de culturas anteriores. Marcelo Zanella, extensionista rural da Regional de Florianópolis que atua na propriedade juntamente com o Carlos Koerich, explica que cada hectare de cultivo precisa de, pelo menos, 10 toneladas de palha por ano. O revolvimento do solo é restrito ao berço de plantio, além da prática permanente da rotação de culturas.
Além de proteger o solo, as plantas de cobertura servem de alimento para macro e microrganismos, aumentam a concentração de matéria orgânica, melhoram os atributos físicos, reduzem o surgimento de plantas espontâneas e mantêm a umidade e a temperatura mais estáveis. “Com a rotação de várias espécies, há redução nos problemas fitossanitários, aumento na biodiversidade e na ciclagem de nutrientes, mantendo e melhorando a fertilidade do solo de forma integrada”, diz Zanella.
Uso de equipamentos para não compactar o solo
Alexandre, o agricultor, conta que no começo não tinha conhecimento nem equipamento para usar na propriedade, mas nunca pensou em desistir. “Começamos a implantação do SPDH em pequenas áreas e fomos aumentando com o tempo. As lavouras antigas tinham o solo muito compactado, muito diferente de hoje”, relata. Carlos confirma que uma das dificuldades foi mesmo encontrar um equipamento para fazer o preparo de solo, visto que o terreno está em área montanhosa. “Fomos a Ituporanga conhecer a experiência de um produtor de cebola que usava o rotocar e Alexandre investiu em um. Esse equipamento foi a grande virada de chave para que ele não fizesse mais o preparo de solo convencional como vinha fazendo”, revela o extensionista.
Alexandre fez adaptações no rotocar para usá-lo no acamamento das plantas de cobertura e fazer o sulcamento para o cultivo de plantas comerciais. Em 2024 o agricultor completa 14 anos no SPDH. Sua propriedade é referência no assunto não apenas no município, mas no mundo todo. Nesse período, o local já foi visitado por mais de mil pessoas dos estados do Sul e Sudeste, bem como de países da América, Ásia, África e Europa.
Carlos ressalta que o agricultor sempre foi muito perseverante. “No começo, como a propriedade tinha muito desequilíbrio, o produtor tinha muito problema com insetos, mas isso acabou. Hoje ele chegou num ponto de preocupação tão grande com o solo que nem mesmo o trator entra na lavoura, para evitar a compactação”, diz o extensionista de Angelina. Outro ponto a ser destacado é o aumento significativo da matéria orgânica que neste período passou de 1,6% para 5%.
Práticas de acordo com a necessidade da propriedade
Carlos revela que a implantação do SPDH também foi um desafio para ele na época, porque o sistema era novo em Angelina. “O SPDH não tem uma fórmula pronta. Temos que resolver as dificuldades individualmente e construir o sistema de acordo com as necessidades de cada propriedade. Isso me fez crescer muito profissionalmente e me deu um norte no meu trabalho no município. O SPDH para mim é uma bíblia que eu sigo fielmente e que acredito ser o único sistema, no momento, que pode melhorar as condições dos nossos agricultores familiares, principalmente em regiões montanhosas como é o nosso caso”, diz Carlos.
Ele acredita que em 15, 20 anos o SPDH vai mostrar a grande diferença que fez nas propriedades de Angelina. “Por isso estou trabalhando arduamente nesse sistema porque acredito que é desta forma que podemos desenvolver uma agricultura mais racional, pensando mais no meio ambiente, pensando mais nas pessoas: na família agricultora em primeiro lugar e em seguida no consumidor, que vai comer uma alimento mais limpo e mais saudável”, frisa ele.
Diferencial do SPDH
O SPDH se diferencia do modelo tradicional de cultivo de hortaliças devido à qualificação teórica e prática de sujeitos envolvidos na produção. O sistema é baseado, fundamentalmente, no conceito de redução substancial até a eliminação do uso de agroquímicos visando à promoção da saúde de plantas e, consequentemente, à obtenção de saúde do solo e da água, dos profissionais da agricultura, de suas famílias e consumidores.
O segredo do SPDH é promover a saúde da lavoura com práticas voltadas para o conforto das plantas. Isso significa reduzir o estresse relacionado a fatores como temperatura, umidade, salinidade e PH do solo, luminosidade e ataque de pragas e doenças. “Na nutrição da planta, é preciso seguir as taxas diárias de absorção de nutrientes ajustadas às reservas nutricionais do solo, aos sinais apresentados pelas plantas e às condições ambientais”, diz Zanella. Se a planta fica mais resistente, exige menos insumos para se desenvolver de forma adequada.
Zanella ressalta que, reduzindo o uso de adubos e agrotóxicos, o agricultor gasta, em média, 50% menos para produzir hortaliças em SPDH. A melhoria na qualidade e na uniformidade das plantas permite reduzir em 35% as perdas na colheita. Além disso, as taxas de infiltração de água no solo chegam a ser três vezes maiores que no sistema convencional – a redução média no uso de água para irrigação é de 80%.
O agricultor de Angelina complementa o SPDH lhe dá um conforto financeiro, pois sabe que vai colher o que plantou. O retorno é ainda maior por conta da adubação química que não precisa mais ser feita, devido à matéria orgânica em abundância que transformou o solo, deixando-o muito fértil. Isso permite que o produtor cumpra com os contratos de venda com uma rede de supermercados. “Se produzisse mais, teria mercado, pois a demanda é grande”, diz Alexandre.
Santa Catarina conta atualmente com cerca de 4 mil hectares de lavouras conduzidas neste Sistema. A meta da Epagri é que até 2030 alcance os 7 mil hectares cultivados em SPDH. Para tanto, extensionistas da Empresa vêm divulgando a prática em todo o Estado.
(Com Isabela Schwengber, assessora de Comunicação/Epagri)