Em vista do aprimoramento da bovinocultura de leite no Brasil, tornou-se prática comum integrar animais de elevado potencial leiteiro e boa fertilidade nos rebanhos das fazendas do país.
Para alcançar plenamente esse potencial, o setor tem priorizado a implementação de dietas cada vez mais enriquecidas em carboidratos e proteínas, proporcionando um valor nutricional elevado aos animais.
Entretanto, à medida que a carga produtiva do animal aumenta, suas demandas nutricionais também se elevam, resultando em uma maior carga metabólica. Esse cenário pode predispor a uma variedade de distúrbios, abrangendo desde doenças gastrointestinais como timpanismo ou acidose ruminal, até condições metabólicas e neurológicas. Dentre estas, destaca-se a Polioencefalomalacia (PEM), uma afecção de alta letalidade e etiologia multifatorial, com os fatores nutricionais ocupando posição de destaque entre as principais causas no contexto brasileiro.
Nesse texto iremos discutir melhor sobre o que é polioencefalomalacia, quais são as causas e suas relações com a deficiência primária e secundária de tiamina e com o enxofre, quais são os sinais dessa afecção, como diagnosticar e as medidas de controle.
A polioencefalomalacia (PEM) é uma condição não infecciosa que impacta o sistema nervoso central dos ruminantes. Essa condição surge devido à necrose cerebrocortical, resultando no amolecimento (malácia) da substância cinzenta. Em estágios mais avançados, pode ocorrer infiltração de macrófagos, seguida pela cavitação subsequente da matriz cortical.
A PEM pode afetar animais em qualquer faixa etária, dependendo de sua etiologia. No entanto, os animais com idades entre 8 e 12 meses, mantidos em condições de confinamento e expostos a mudanças abruptas na alimentação, ou que são alojados em pastagens com baixo potencial nutritivo, apresentam uma maior suscetibilidade ao desenvolvimento da doença.
Embora a enfermidade possa ocorrer em qualquer época do ano, no Brasil, observa-se uma incidência mais significativa entre abril e setembro. Nesses meses, algumas regiões experimentam uma redução na pluviosidade, resultando em pastagens com baixo teor de nutrientes e modificações na qualidade da silagem.
A taxa de mortalidade pode atingir até 14%, enquanto a letalidade é elevada, variando de 43% a 100%. Essa variação depende da eficácia da resposta ao tratamento e do estágio em que o tratamento foi iniciado.
Quais são as causas da polioencefalomalacia?
A polioencefalomalacia pode resultar de diversos fatores, abrangendo causas nutricionais, metabólicas e infecciosas. Entre as etiologias menos frequentes, incluem-se envenenamento por chumbo e encefalite por herpesvírus bovino-5 (BHV-5). Já entre as principais causas de origem nutricional e metabólica, destacam-se:
- Intoxicação por cianeto e enxofre;
- Síndrome de privação de água que conduz à intoxicação por cloreto de sódio;
- Deficiência de tiamina.
Animais em sistema de confinamento se alimentando no cocho. Fonte: Farm Health
A deficiência de tiamina destaca-se como a principal causa nutricional da polioencefalomalacia na pecuária leiteira, sendo registrada desde a década de 50.
A tiamina, também conhecida como vitamina B1, desempenha um papel crucial no metabolismo energético dos neurônios, participando ativamente nas vias catabólicas e anabólicas do NADH e NADPH, nas vias glicolíticas, e atuando diretamente no metabolismo dos carboidratos.
Adicionalmente, atuando como cofator para múltiplas enzimas no Ciclo de Krebs, a tiamina exerce influência direta na síntese de ATP, um nucleotídeo responsável pelo armazenamento de energia em suas ligações químicas. Essa deficiência resulta na diminuição da eficiência da bomba de sódio e potássio, ocasionando o acúmulo de sódio.
Esse acúmulo, por sua vez, eleva a pressão osmótica no interior dos neurônios, culminando no acúmulo de água dentro dessas células e, eventualmente, levando à sua ruptura.
Deficiência primária e secundária de Tiamina
Devido à presença de bactérias ruminais produtoras de vitaminas do Complexo B, os ruminantes adultos conseguem sintetizar tiamina em quantidade suficiente para preservar a homeostasia metabólica celular no sistema nervoso.
No entanto, animais jovens durante o período de aleitamento ou na fase inicial de adaptação a dieta sólida, que ainda não desenvolveram uma microbiota estabelecida, podem ser susceptíveis à deficiência primária de tiamina devido à baixa presença de vitamina B1 em sua dieta.
Imagem de bezerra em sistema de aleitamento. Fonte: Jonathan Page (2021)
Já a deficiência secundaria, é causada pela produção de substâncias que compete pelos sítios da tiamina no rúmen e no intestino, ou inativam a vitamina B1 como a enzima tiaminease.
O consumo de dietas ricas em carboidratos solúveis, a fermentação e a produção excessiva de ácidos graxos voláteis, leva a redução do pH, causando acidose ruminal, o que pode causar a inativação das bactérias produtoras de tiamina ou a redução de sua produção.
Além disso, a queda do pH, ocasiona o crescimento de bactérias degradadoras da tiamina, como o Clostridium sporogenes e Bacillus thiaminollyticus.
O consumo de alimentos contaminados por microrganismos produtores de tiaminase, como silagens e feno mal conservados, representa uma via potencial para o desenvolvimento da deficiência de tiamina. Além disso, a ingestão de plantas que naturalmente possuem a enzima, tais como Amaranthus blitoides, Malva parviflora, Pteridium aquilinum, Marsilea drummondii, Cheilanthes sieberi e Equisetum arvense, também pode contribuir para o surgimento da PEM.
Menos comumente, a deficiência de tiamina pode ocorrer devido à administração de medicamentos com propriedades antimetabólicas das vitaminas do Complexo B, como piritiamina, oxitiamina e amprólio. Como também, alguns anti-helmínticos, como levamisol e tiabendazol, podem desempenhar um papel nesse contexto.
Imagem de vacas em sistema de confinamento evidenciando sua dieta. Fonte: All About Feed (2015)
E qual a relação com o enxofre?
O excesso de enxofre na alimentação emerge como um fator predisponente para a PEM. Especificamente, o excesso dessa substância, principalmente na forma de sulfatos, propicia a redução para sulfetos devido à ação da microbiota ruminal. Esse processo resulta na formação de substancias tóxicas tanto no gás quanto no fluido ruminal, ao se ligarem aos cátions bivalentes.
Uma parte desses gases pode ser degradada por enzimas bacterianas ou expelida por eructação. No entanto, em concentrações elevadas, a absorção ou inalação dessas moléculas pode resultar na inibição da enzima citocromo-oxidase da cadeia transportadora de elétrons. Isso, por sua vez, reduz a produção de ATP nas células neuronais, resultando em disfunção na respiração celular, o que consequentemente desencadeia hipóxia e necrose dos neurônios.
Ao contrário do que ocorre na deficiência de tiamina, a acidose ruminal favorece a produção de sulfeto de hidrogênio (H2S) devido ao ambiente ácido propiciar concentrações elevadas de H2S na camada gasosa do rúmen, a inalação desse gás durante a eructação pode servir como rota de absorção de sulfetos, resultando em intoxicação.
Adicionalmente, as moléculas de ânions de sulfito, derivadas da ação de bactérias metabolizadoras de sulfato, apresentam a capacidade de clivar a tiamina, podendo causar de forma indireta a deficiência da vitamina.
Quais são os sinais da polioencefalomalacia?
Devido a lesões em uma região crucial do sistema nervoso central, os sinais iniciais da polioencefalomalacia frequentemente manifestam-se por meio de:
- Incoordenações
- Posturas anormais
- Alterações comportamentais, como agressividade ou excitabilidade.
Esses sintomas evoluem para um caminhar cambaleante e descoordenado, além de incluir cegueira total ou parcial, tremores musculares, nistagmo, estrabismo medial dorsal, decúbito esternal prolongado e, em estágios mais avançados, decúbito lateral e opistótono.
É comum que a doença apresente estágios intermediários caracterizados por hipomotilidade ruminal e hiporexia, podendo ser erroneamente diagnosticada como um distúrbio predominantemente gastrointestinal.
Vale ressaltar que o tempo de evolução da doença é variado, dependendo da etiologia e do grau de acometimento do animal. Assim, a morte pode ocorrer dentro de um período de 2 a 10 dias após o início dos primeiros sinais clínicos.
Como diagnosticar?
Como os sinais clínicos são inespecíficos, as principais abordagens diagnósticas devem basear-se no histórico, como alterações na dieta, consumo de silagem mal conservada, baixa ingestão de água ou evidências de áreas contaminadas por chumbo.
Outra estratégia diagnóstica é a abordagem terapêutica, como a administração de vitamina B1 nos casos de deficiência de tiamina, ou a hidratação e utilização de diuréticos em intoxicações por sódio associadas à privação de água.
Entretanto, o método mais eficaz de diagnóstico é por meio de exame pós-mortem, especialmente a análise macroscópica do encéfalo e a avaliação histopatológica da região cortical, com foco nas lâminas superficiais. Nesses casos, observam-se áreas de malacia no córtex cerebral, tumefação de astrócitos e presença de ovoides de mielina nos animais afetados. Quando associado ao herpesvírus bovino-5, a presença de corpúsculos de inclusão intranucleares pode fechar o diagnóstico com maior precisão.
Imagem de encéfalo bovino afetado por polioencefalomalacia, onde o mesmo se apresenta tumefeito, circunvoluções telencefálicas achatadas. Fonte: Santos e Alessi (2016)
Medidas de controle
Dada a variedade na etiologia da PEM, é crucial adotar medidas voltadas à nutrição dos animais e à prevenção de possíveis acidentes relacionados à contaminação da água e dos alimentos por metais pesados, especialmente o chumbo.
No que se refere aos fatores nutricionais predisponentes, garantir uma dieta equilibrada para bezerras em transição ou, quando necessário, suplementá-las com vitamina B1 é essencial. Isso desempenha um papel vital na manutenção de níveis adequados de tiamina, protegendo assim o metabolismo celular contra a deficiência primária desta substância.
Para os animais adultos, assegurar quantidades apropriadas de vitaminas, minerais e, principalmente, carboidratos solúveis é crucial para manter e equilibrar a microbiota ruminal, reduzindo as chances da deficiência secundaria de vitamina B1, e a produção excessiva de gases de sulfeto e sulfito.
Além disso, a qualidade e disponibilidade da água são vitais para evitar a síndrome de privação de água, que pode levar à intoxicação por cloreto de sódio, bem como para prevenir a ingestão acidental de plantas toxigênicas.
Em síntese, a abordagem abrangente na nutrição e no manejo ambiental é essencial para prevenir efetivamente a polioencefalomalacia em bovinos. Ao implementar essas medidas preventivas de forma integrada, podemos mitigar significativamente os riscos associados à PEM, promovendo a saúde e o bem-estar do rebanho.
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