As pastagens, a exemplo de muitas outras lavouras, também correm o risco de serem prejudicadas por pragas. Dentre as principais ameaças está a cigarrinha-das-pastagens (Deois flavopicta), que pode comprometer a produtividade e a qualidade das gramíneas forrageiras.
Como resultado dessas infestações, os animais têm menos oferta de alimento direto da pastagem, levando os criadores a ter que investir em alimentação suplementar, visando suprir essa deficiência. Por consequência, terá um custo de produção maior do que o planejado.
Para prevenir danos significativos nas plantações causados pela cigarrinha-das-pastagens, algumas medidas preventivas devem ser adotadas. Entre elas, está o monitoramento constante dessas áreas com o objetivo de identificar antecipadamente qualquer possível problema relacionado.
Neste artigo, vamos abordar quatro das principais espécies de cigarrinha que atacam as pastagens, bem como os prejuízos que causam e como fazer o controle.
Boa leitura!
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A importância vital de pastagens de qualidade para os animais
A pecuária brasileira, em particular voltada para as raças de corte, baseia-se principalmente na exploração extensiva de pastagens, cobrindo, assim, todas as regiões do país.
Neste contexto, a pastagem é vista como o método mais econômico e eficiente de fornecer a alimentação essencial para o gado, sem esquecer de outras espécies animais que também dependem desta nutrição.
Considerando que o país detém o maior rebanho comercial de bovinos do mundo, aproximadamente 224,6 milhões de cabeças de acordo com o censo do IBGE de 2021, é fundamental garantir a alimentação adequada desses animais com o uso de forragens de alta qualidade.
No entanto, essa tarefa nem sempre é tão simples e, frequentemente, requer investimentos significativos, especialmente se as pastagens escolhidas estiverem degradadas. É necessário considerar fatores como: qualidade do solo, variedades de gramíneas, condições climáticas, raça selecionada e as pessoas envolvidas nesse processo.
Para dar uma ideia, em uma pastagem altamente degradada, a produtividade de carne é aproximadamente duas arrobas por hectare, anualmente. Contudo, em uma pastagem bem conservada, essa produtividade pode alcançar até 16 arrobas por ano.
No entanto, após investir em uma formação adequada das pastagens, surge uma nova preocupação: como garantir que as variedades de forrageiras plantadas não sejam prejudicadas por insetos, fungos, pragas e plantas daninhas?
Neste artigo, vamos abordar uma das principais pragas que prejudicam essas áreas: as cigarrinhas-das-pastagens. Elas afetam a produtividade e podem até mesmo comprometer todo o cultivo, afetando a alimentação do rebanho.
A seguir, vamos explorar as principais espécies desses insetos, os danos que podem causar e as estratégias eficazes para controlá-los. Pronto para começar?
A cigarrinha-das-pastagens, inseto sugador associados a gramíneas, é parte ordem Hemiptera, subordem Auchenorrhyncha e família Cercopidae. Esses insetos, pragas comuns em pastagens e canaviais, têm nomes variados em diferentes países, como spittlebugs e froghoppers.
No Brasil, “cigarrinha” é um termo usado para designar vários insetos de diferentes famílias dentro da subordem Auchenorrhyncha, como cercopídeos, cicadelídeos, delfacídeos e membracídeos.
Estes pequenos insetos atacam, após um período de chuvas, quando os pecuaristas esperam ver pastagens verdes e em crescimento para alimentar seu rebanho. Se essas pastagens começarem a amarelar, é muito provável que estejam sofrendo um ataque de cigarrinha-das-pastagens.
Isso porque a infestação dessa praga ocorre inesperadamente após o início da estação das chuvas (setembro/outubro), quando o pasto está brotando e os ovos começam a eclodir.
Embora sejam pequenos (menos de um centímetro), não subestime a ação desses insetos: eles são sugadores intensivos de gramíneas. Além disso, possuem uma capacidade de voo que pode alcançar mais de 900 metros de uma vez, além de poderem realizar saltos curtos de até um metro de altura, o que caracteriza os movimentos de dispersão.
Geralmente, eles exibem uma coloração que varia de castanho-escuro a preto, complementada por manchas em tom creme. A cabeça e o tórax são predominantemente pretos, já as asas possuem coloração escura com faixas alaranjadas e as pernas são de tonalidade avermelhada.
Principais espécies de cigarrinha-das-pastagens
Vamos apresentar, a seguir, as espécies de cigarrinha-das-pastagens que mais preocupam os pecuaristas.
Lembre-se: todas são da família Cercopidae com comportamentos similares. A diferença principal está nas características morfológicas.
1. Deois schach
A cigarrinha-das-pastagens Deois schach, conhecida como “cigarrinha dos capinzais“, tem em média 9,2 mm de comprimento e e 4,1 mm de largura. Possui coloração castanho-escuro, com manchas alaranjadas e uma série de pontos vermelho-sanguíneo no terço posterior das asas.
Este é um dos principais parasitas encontrados em áreas agrícolas destinadas para a alimentação animal. Esses insetos não só afetam as gramíneas, mas também podem prejudicar outras lavouras, como arroz, trigo e soja, inclusive durante a fase de ninfa.
A cigarrinha-das-pastagens, originária da Ásia, é encontrada em vários países da América do Sul, incluindo Brasil, Argentina e Uruguai. No Brasil, o estado do Rio Grande do Sul é a principal área de infestação desta espécie.
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2. Deois flavopicta (Stal)
É um pouco maior do que a espécie anterior, possuindo um comprimento médio de 9,8 mm e largura de 4,4 mm. A sua coloração geralmente é castanho-escura a negra, com manchas na cor creme.
Um detalhe interessante são as diferentes manchas que apresenta pelo corpo. Uma grande (na cor creme) que aparece de cada lado da margem anterior da cabeça, junto aos olhos. A outra mancha, pequena, aparece em cada ângulo póstero-lateral do pronoto (parte dorsal do tórax).
As asas desta espécie são transparentes, com manchas amarelas nas extremidades. Ela é frequentemente encontrada em várias regiões do Brasil, particularmente no Sudeste e Centro-Oeste, onde existem registros de infestações datando de pelo menos 40 anos atrás.
Normalmente, os adultos têm um período de vida de aproximadamente dois meses, contudo, podem viver até quatro meses. As fêmeas, por sua vez, costumam depositar seus ovos em grandes quantidades nas folhas das plantas que lhes servem de hospedeiras.
Estes insetos costumam surgir no começo da primavera. As ninfas, que nascem dos ovos, atravessam cinco fases de desenvolvimento até atingirem a maturidade. A última fase tem uma duração aproximada de 10 dias.
3. Deois incompleta (Walker)
As cigarrinhas Deois incompleta possuem em média 8,2 mm de comprimento e em torno de 3,6 mm de largura. A exemplo das outras duas espécies que citamos acima, elas também possuem coloração castanho-escura, mas com manchas esbranquiçadas nas asas.
Segundo a Embrapa, a partir do final da década de 1980, este inseto tornou-se um problema na pecuária devido à introdução de capins decumbentes, como as brachiarias.
Atualmente, é predominante na região Norte do país, com picos populacionais entre dezembro e fevereiro. Essa tendência é atribuída às condições climáticas e ecológicas da região, em particular durante o período chuvoso.
Essas pragas vivem nas pastagens onde se alimentam de folhas e outros tecidos vegetais. Elas podem causar danos significativos às plantações, especialmente quando estão em grande quantidade.
4. Zulia entreriana (Berg)
As cigarrinhas Zulia entreriana (Berg) medem de 7,0 a 9,5 mm de comprimento por 3,0 a 4,0 mm de largura. Possuem coloração negra, com uma listra transversal na cor amarelo-claro ou alaranjado na parte superior das asas.
Essa espécie pode destruir uma ampla área, deixando-a com escassez ou ausência de vegetação. Além dos danos nas pastagens, provoca ainda danos em lavouras como arroz e cana-de-açúcar. Os ataques ocorrem com mais frequência no Centro-Sul do país.
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Preocupação constante
Essas pragas apresentam um desafio particular em termos de controle, pois seus ovos têm a capacidade de permanecer latentes no solo por múltiplos anos. Isso se deve ao seu longo ciclo de vida e à notável resistência de suas larvas aos defensivos agrícolas.
Uma pesquisa realizada pela Embrapa, em diferentes níveis populacionais, mostrou que apenas 25 insetos adultos por metro quadrado foram capazes de reduzir em cerca de 30% a produção de matéria seca da variedade de brachiaria decurnbens.
A seguir, confira como esses insetos atuam na destruição das pastagens, comprometendo a alimentação dos animais, principalmente os bovinos.
Como a cigarrinha-das-pastagens atua?
Assim que nasce, a jovem cigarrinha-das-pastagens começam a sugar os colmos das plantas, fixando-se na base das touceiras do capim, onde criam espumas brancas para se proteger.
Já as adultas, com vida livre, provocam danos ao sugar o capim e injetar uma toxina que se coagula no interior dos tecidos das folhas, comprometendo o transporte da seiva, o que leva à morte do tecido. Começa com uma coloração amarelada pelas pontas e pode chegar até mesmo às touceiras.
Com isso, ocorre uma redução da massa de capim verde que seria consumido pelos animais, comprometendo a produção de leite e carne. O capim até consegue rebrotar depois desse ataque, mas, dependendo da quantidade de cigarrinhas na área, pode prejudicar toda a pastagem da propriedade.
Principais fatores que podem provocar a infestação de cigarrinha-das-pastagens
- Umidade alta do ambiente provoca a eclosão das ninfas;
- Temperaturas mais elevadas aceleram o ciclo de vida desse inseto;
- Plantio de gramíneas suscetíveis favorecem ao ataque da praga;
- Veranico reduz o ataque de fungos entomopatogênicos, que são inimigos naturais dessa praga;
- Com menor exposição aos raios solares, a espuma permanece ao redor das ninfas;
- Pastagens com deficiência nutricional (principalmente cálcio e fósforo) são mais suscetíveis às cigarrinhas.
A propósito, um documento emitido pela Embrapa Gado de Corte Campo Grande/MS alerta que “esses insetos podem diminuir drasticamente a disponibilidade e a qualidade de gramíneas forrageiras, reduzindo a capacidade de suporte das pastagens”.
Acrescenta ainda que “milhões de hectares estabelecidos com várias cultivares do gênero Brachiaria têm sofrido sensíveis perdas ocasionadas por esse grupo de insetos”.
De fato, é importante ressaltar que esses insetos não representam uma ameaça apenas para as pastagens brasileiras, uma vez que causam prejuízos em toda a América Tropical, uma região que se estende do México à Argentina.
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Como fazer o controle da cigarrinha-das-pastagens?
Conforme vimos, a cigarrinha-das-pastagens, em suas variadas espécies, representam uma praga que resulta em prejuízos significativos para os pecuaristas, pois comprometem a produção de alimento destinado aos animais. Além disso, outras culturas agrícolas também sofrem com este problema.
Agora, iremos apresentar as principais estratégias de controle que envolvem desde o plantio de variedades de gramíneas mais resistentes até os controles químico, biológico e cultural. Vamos lá?
Controle preventivo
Uma das primeiras medidas é o controle preventivo das cigarrinhas, por meio do monitoramento de toda área de pastagem. A qualquer momento em que for detectada infestação, será possível realizar uma ação rápida contra esse ataque, com objetivo de evitar a proliferação desses insetos.
Esse controle deve ser iniciado logo após a constatação de existência de 20 a 25 ninfas por metro quadrado. No período chuvoso, os levantamentos devem ser feitos a cada 15 dias.
Gramíneas mais resistentes a pragas
Outra medida crucial é a busca por variedades de gramíneas similares às que o agricultor utiliza em suas lavouras, mas que sejam mais resistentes a pragas. Essa é uma prática integrante do Manejo Integrado de Pragas (MIP).
De acordo com o entomologista e pesquisador, José Raul Valério, a Brachiaria humidicola é considerada resistente por tolerância, na medida em que sofre menos danos em relação a outras variedades mais suscetíveis.
Porém, tudo vai depender do nível de ataque. Outro exemplo de resistência é o capim-marandu, apesar de ser mais exigente com relação à solos férteis.
No vídeo, a Embrapa fornece orientações aos pecuaristas sobre como selecionar variedades de gramíneas mais resilientes ao ataque de cigarrinha-das-pastagens, utilizando um aplicativo como ferramenta de apoio:
Como fazer o Manejo integrado das cigarrinhas
A Embrapa sugere um manejo integrado que envolve a diversificação das pastagens na propriedade. Isso significa incluir gramíneas resistentes, especificamente aquelas que demonstram antibiose, um mecanismo de resistência eficaz contra a cigarrinha-das-pastagens.
Além da Brachiaria humidicola que citamos acima, outros cultivares recomendados são: Brachiaria brizantha cv. Marandu, B. brizantha cv. Piatã (Andropogon gayanus cv.), Planaltina (Panicum maximum cv.), Tanzânia (P. maximum cv.), Mombaça e Panicum spp. cv. Massai.
A inclusão dessas gramíneas deve ocorrer no momento da formação de novas áreas ou mesmo quando for feita a renovação das pastagens.
Duas dicas importantes: no caso de extensas áreas evite um único tipo de gramínea (intercalar com variedades mais resistentes); e, sempre que possível, faça o consórcio com leguminosas.
Controles químico, biológico e cultural
Considerando que a cigarrinha-das-pastagens pode reduzir significativamente a disponibilidade e a qualidade das gramíneas forrageiras, é essencial que os pecuaristas compreendam que existem três métodos de controle: químico, biológico e cultural, além do preventivo, que já mencionamos.
Confira cada um deles:
– Controle Químico: o objetivo é reduzir a população de cigarrinhas, aplicando defensivos durante o início da emergência desses insetos.
Porém, existem algumas limitações de ordem ecológica (demandaria o tratamento de extensas áreas) e econômica (custo para realizar o tratamento dessas áreas) a serem consideradas.
Mas, se optar pelo uso de defensivos químicos, o foco deverá ser a cigarrinha em sua fase adulta, porque estará exposta ao se alimentar nas folhas.
Além disso, é essencial utilizar apenas produtos registrados junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, observando as medidas de segurança, doses e período de carência recomendados pelos fabricantes.
– Controle biológico: apresenta grande potencial, uma vez que as pastagens são culturas perenes, favorecendo a persistência de inimigos naturais.
Mesmo com poucos estudos a respeito, uma das indicações é o uso do fungo Metarhizium anisopliae, que encontra em condições de ação em ambientes com alto índice de umidade. Trata-se de um inseticida biológico disponível comercialmente em forma de pó molhável ou em óleo emulsionável.
Embora o uso do controle biológico possa representar um gasto ao pecuarista, a vantagem é que não haverá necessidade de retirar os animais da área de pastagem.
– Práticas culturais: a redução populacional das cigarrinha-das-pastagens está relacionada também ao manejo correto das pastagens. A redução da carga animal nas pastagens permite o revigorar das plantas e, por consequência, uma maior resistência ao ataque de pragas. Assim, o ambiente úmido e sombreado do solo vai permitir o desenvolvimento do fungo M. anisopliae, anímico natural da cigarrinha e de outros insetos.
Veja também: Saiba o que é Metarhizium anisopliae e como pode ser utilizado no controle biológico de pragas
Conclusão
Neste artigo, destacamos que a cigarrinha-das-pastagens representa uma ameaça significativa, não apenas para os pecuaristas, mas também para muitos agricultores, visto que infestam diversas plantações.
As metodologias de controle que ilustramos acima têm início com uma observação atenta daqueles que lidam diariamente com esses animais.
Importante acrescentar que as pastagens acabam sendo hospedeiras de outro inseto que causa muitos estragos: o percevejo. Confira nosso artigo especial com os principais tipos de percevejo que podem afetar a sua lavoura. Boa leitura!
Escrito Por
Klaus Bernardino
Jornalista há mais de 40 anos, formado pela Unimar (Universidade de Marília). Editor do portal Visão Notícias.com