A acidose ruminal tem sido uma das principais afecções, que acometem o gado leiteiro. Uma vez que se sabe dos prejuízos produtivos e econômicos gerados em decorrência da doença, é fundamental entender como identificar os casos no rebanho e quais condutas tomar para evitar e prevenir sua ocorrência.
A manifestação da acidose é consequente de um desequilíbrio do pH do rúmen, resultando em níveis excessivamente baixos de pH. Ou seja, disbiose dos grupos de bactérias e protozoários mutualísticos do rúmen.
Para desencadeamento da enfermidade é necessário que ocorra alguma falha no manejo nutricional, principalmente quando se refere a carboidratos de fácil digestão, solúvel ou não estruturais e também por uma dieta pobre em fibras.
Nesse artigo iremos discutir sobre a acidose ruminal, suas classificações, os principais fatores predisponentes, as manifestações clínicas e as manifestações secundárias a doença, maneira de diagnosticar, os prejuízos que ela traz e formas de prevenção.
Há duas classificações, onde a faixa de pH e ácidos predominantes são os critérios para a categorização: Acidose Ruminal de Ácidos Graxos de Cadeia Curta (ARAGCC) e Acidose Lática Ruminal (ALR).
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Fatores Predisponentes
Para que o pH ruminal apresente queda acentuada, caracterizando a acidose, é necessário que haja um consumo exacerbado de carboidratos solúveis. Logo, os cenários mais propensos são definidos por algum erro no manejo nutricional ou algum fator que tenha impacto sobre ele.
Portanto, a priori, as falhas que podem ser apresentadas no manejo normalmente estão associadas com:
- Falta de adaptação a dieta nova – Comum em período pós-parto – Momento que aumenta a energia na dieta para favorecer a produção de leite.
- Intervalos espaçados de fornecimento, de modo que provoque jejum intenso.
O primeiro ponto está relacionado com a introdução de animais sem adaptação prévia a lotes já adaptados a uma dieta mais rica em concentrados.
É comum, por exemplo, que vacas, as quais se encontravam no período seco, ao retornarem à lactação, passem a receber um modelo de dieta diferente do anterior. Ou seja, a prioridade em receber alimentos com maior teor de volumoso passa a ser uma alimentação rica em carboidratos, a fim de otimizar a produção.
Um cenário similar pode ocorrer com primíparas, perante à mudança de dieta, mas também ligado ao consumo elevado a cada ingestão. Uma vez que ao serem introduzidas ao lote de multíparas diminuem a frequência de visitação ao cocho e consequentemente consomem muito a cada visita.
Vale ressaltar que nos primeiros 160 dias de lactação, com destaque aos dias 100 e 130, há a tendência de maior consumo de matéria seca e concentrados, dessa forma, aumentando a suscetibilidade para que o problema ocorra.
Em segundo lugar, animais com tempo elevado de privação de comida também estão sujeitos ao desencadeamento da enfermidade. Já que, ocorre o exagero no consumo de ração após o período de abstinência, seja por falta de comida no cocho ou em casos de disputa por espaço de cocho.
Em casos de jejum prolongado tem-se interferência na população de bactérias lactilíticas, e isso ocorre devido à sensibilidade desses microrganismos ao pH mais elevado (em decorrência do jejum).
Consequentemente, há um acúmulo de ácido lático, por ele não ser utilizado como um substrato para as bactérias lactilíticas na formação de AGV (Ácidos Graxos Voláteis) e pelo pH estar muito baixo e não ser favorável para que as mesmas atuem.
Esquema demonstrando o comportamento da produção de ácidos e o pH do rúmen durante um quadro de Acidose Lática Ruminal (ALR). Fonte: João Paulo Elsen Saut
Outros fatores correspondentes à disposição da dieta, deve-se ao caso de haver, de fato, erro na formulação, de modo que a proporção volumoso: concentrado esteja desbalanceada.
Segundo, deve-se à mistura da dieta total, já que, os bovinos apresentam a tendência de selecionar alimentos concentrados (mais palatáveis), de modo que consigam segregar a parte volumosa.
Por fim, a disponibilidade de fibra efetiva, relacionado ao tamanho da partícula, para assim, atingir níveis interessantes de ruminação, mastigação e salivação. Vale salientar que um dos fatores que podem levar a um quadro agudo de acidose está associado ao livre acesso dos animais a depósitos de ração.
Por fim, fatores que exercem influência na alimentação dos animais e são os geradores de estresse, como, por exemplo, o estresse térmico.
Uma vez que, devido à hiperventilação (animal ofegante) há a diminuição da ruminação, consequentemente da salivação, a qual possui um papel tamponante (auxilia a manter os níveis adequados de pH). Além do alimento prolongar seu tempo no rúmen, seguido da produção intensa de ácidos.
Manifestações clínicas
É importante ressaltar que devido à redução do pH pode-se ter alterações sistêmicas como a diminuição da motilidade ruminal, ruminite e hiperqueratose da mucosa, podendo ocorrer aumento da pressão osmótica ruminal, diminuição do volume extra-celular, desidratação, diminuição da perfusão sanguínea periférica e até mesmo a diminuição do fluxo sanguíneo renal, caracterizando um quadro de acidose metabólica.
A ALR por ter um caráter mais agudo, possui sinais clínicos mais evidentes e, de certa forma, preocupantes. Com o avançar da doença o animal apresenta anorexia, desidratação, diarreia e pode apresentar decúbito esternal e progressiva depressão do estado geral, inclusive com alterações do estado de consciência.
Já a ARAGCC, ocorre de modo inespecífico, inclusive pode ter ocorrência mais branda. De modo que haja variação na ingestão de matéria seca, pode-se ter ocorrência de fezes mais pastosas à líquidas e/ ou com alimentos mal digeridos.
Em ambos casos, quanto menor o pH ruminal, mais comprometido estará o estado geral e mental do animal.
A forma de tratamento deve ser baseada na correção da acidose ruminal, de modo que eleve o pH ruminal, para que as bactérias produtoras de ácido parem sua produção.
Manifestações secundárias à acidose ruminal
Devido ao acúmulo de ácidos e alterações significativas no funcionamento do rúmen, a acidose ruminal, além de suas próprias manifestações clínicas, é um fator potencial no desencadeamento de outras enfermidades.
A princípio a rumenite, é decorrente das lesões à parede do rúmen, de modo que haja variação em suas funções. Inclusive na absorção, podendo ocorrer disseminação de infecções para os outros órgãos, como o fígado, por exemplo.
A laminite asséptica, em decorrência da absorção de lipopolissacarídeos (LPS), gera lesões vasculares, inclusive vasoconstrição periférica, a qual pode gerar hipóxia nas lâminas do casco. Ambas situações geram extremo desconforto, seguido de claudicação, de modo que interfere na busca por alimento do animal, diminuição da produção e queda de índices reprodutivos.
Além disso, devido ao desequilíbrio e disposição dos ácidos, há alteração na proporção de proteína e gordura do leite, já que, a síntese de gordura láctea é prejudicada. Apesar dessa diminuição não ser exclusiva da acidose ruminal, e ter variações no rebanho, é um ponto de atenção.
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico pode ser feito baseado no histórico da propriedade, com destaque aos surtos agudos, que são mais característicos aos casos crônicos. Junto à solicitação de exames complementares, como a análise do suco de rúmen (o ideal é por punção direta, já que, pode haver variações por sonda devido à “contaminação” do material com saliva – tamponante).
Essa investigação do suco implica em acompanhar a atividade de protozoários e bactérias mutualísticas no microscópio ou realizar o teste de tempo de redução do azul de metileno. O qual consiste em observar o retorno da mesma coloração anterior à adição da substância, em determinado tempo, a fim de avaliar a atividade microbiana.
Prejuízos causados pela acidose ruminal
Essas situações geram prejuízos ao produtor não apenas com tratamento e medicamentos, mas também no que leva à perda de produtividade, diminuição da síntese de gordura do leite, potencial descarte precoce e involuntário dos animais e devido às manifestações secundárias. Além de que os surtos agudos representam elevado índice de mortalidade.
Uma propriedade com problemas decorrentes de acidose metabólica pode ter uma perda produtiva de 2L/ vaca/ dia. Embora cada local apresente um cenário, é notório que quanto maior a incidência de novos casos, maior o prejuízo por animal. Ademais, a bonificação relacionada ao teor de gordura também é afetada.
Tabela demonstrando a distribuição da bonificação por gordura de um laticínio. Fonte: Milkpoint, 2021
É possível previnir a acidose ruminal?
Uma vez que se sabe dos principais fatores causadores da acidose ruminal, é fundamental ações voltadas à adaptação de mudança de dieta, espaçamento de cocho condizente com o número de animais, ter alimento sempre disponível e fornecer a dieta de maneira adequada.
A princípio, a adaptação gradativa de vacas leiteiras tem início no período pré parto, especificamente cerca de 4 semanas precedentes ao mesmo.
Em segundo lugar, quando se refere ao espaço de cocho, o ideal é que tenha um local confortável entre os animais. De modo que, todos consigam ingerir as porções adequadas da dieta e evite estresse ou altos consumos em menor frequência, em decorrência da disputa de cocho.
Logo, o ideal é que vacas em lactação tenham espaçamento de mínimo 70 cm linear de cocho. Animais em pré-parto e pós-parto na condição de vacas e novilhas/primíparas em lotes separados em torno de 80 cm linear de cocho e em casos onde os lotes pré e pós-parto são compostos por vacas e novilhas/primíparas juntas é recomendado que esse espaçamento de cocho seja se 1m linear.
Vale ressaltar também que multíparas tendem a exercer maior dominância sobre as primíparas, logo, se possível é indicado separar lotes para cada uma dessas categorias.
Outro ponto importante, é evitar que os animais fiquem muito tempo em jejum, portanto, é recomendável ter alimento disponível. Dessa forma, ao invés de deixar o cocho totalmente sem comida, tem maior valor deixá-lo com, pelo menos, 3% de sobra antes de repor por completo.
Além disso, um volumoso de qualidade que proporcione uma boa ruminação e consequentemente, promova a salivação, é indispensável. Entretanto, deve-se ter atenção quanto ao tamanho das partículas, a fim de evitar a pré-seleção dos animais. Logo, usar a técnica de Penn State (peneiras separadoras de partículas), se mostra muito eficaz para avaliação da proporção do tamanho das partículas.
Avaliar os animais de forma constante, principalmente os animais de lote pré-parto que consumem dieta acidogênica, com aferição do pH de urina o qual demonstrará a eficiência no uso dessa dieta, mas também para avaliação se não está ocorrendo quedas acentuadas de pH e consequentemente contribuindo para quadros de acidose.
Por fim, há como alternativa o uso de ionóforos e probióticos como aditivos na dieta, a fim de garantir um controle maior sobre as bactérias com maior capacidade em reduzir o pH ruminal. Entretanto, vale ressaltar a adaptação e fornecimento da quantidade ideal, quando se refere aos ionóforos, já que, tem potencial tóxico, quando em excesso.
Considerações finais
É notório então que a acidose ruminal é um problema de saúde que afeta de forma significativa a produção das vacas. Sua importância reside em vários aspectos como o impacto na saúde e bem-estar do animal, na redução da produção de leite, na perda de eficiência alimentar, no aumento dos custos e também nos desafios de manejo. Deter de um manejo alimentar adequado, aliado a uma boa formulação da dieta e atuar em fatores predisponentes são cruciais para minimizar esses impactos negativos.
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